31/01/2020 às 04h00
Quem tem renda vitalícia de previdência privada pode ficar sem dinheiro?
Por João José Oliveira | Para UOL Economia
Os juros desabaram no Brasil nos últimos três anos, e tem gestor suando a camisa para entregar a aposentadoria de quem investiu em previdência privada e optou pela renda mensal vitalícia. Afinal, o rendimento dos tradicionais fundos de renda fixa — que sempre garantiram um retorno sem grandes riscos — agora mal conseguem bater a inflação.
A lei diz que a empresa de previdência privada tem a obrigação de cumprir o acordo fechado com o cliente que optou pela renda vitalícia. Se o gestor não percebeu a queda dos juros e acabou prometendo ao investidor um rendimento que hoje se tornou difícil de entregar, o problema é dele.
Risco de faltar dinheiro para todos?
Mas é aqui que mora o perigo. Quando o capital gerido por uma empresa de previdência privada não é suficiente para cumprir os pagamentos prometidos, a Susep (Superintendência de Seguros Privados), que regula o setor, determina o fechamento da companhia.
Os clientes dessa empresa até têm preferência nos ativos que estão lá. Mas se a instituição fechou exatamente porque havia um déficit, então não vai haver dinheiro para todo mundo.
A situação do investidor se torna ainda mais frágil porque a portabilidade da previdência privada — possibilidade de transferir os recursos de uma empresa para outra — só é permitida durante a fase de acumulação. Quando começa a receber a aposentadoria, já não pode mais mudar.
Renda vitalícia ameaçada?
Na hora de acessar o dinheiro da previdência privada, quem optou pela renda vitalícia vai acertar com o gestor uma renda mensal que será paga pelo restante da vida do cliente.
Para isso, a empresa de previdência privada faz cálculos e define um valor a ser pago mensalmente ao investidor. Entram nessa conta vários fatores, como expectativa de vida e a taxa de juros que vai corrigir aquele bolo de dinheiro aplicado ao longo do tempo.
E aqui entra o problema da queda de juros. Há três anos, quando a Selic estava em 14,25% ao ano, clientes que optaram por esse acordo para acessar a aposentadoria, conseguiram taxas de rendimento de 4% ao ano mais a inflação para suas aplicações. Um objetivo que está difícil de ser alcançado sem correr riscos agora.
“É um tema que merece ser analisado com cuidado pelo investidor”, afirma o coordenador de MBA de Previdência complementar da FGV, Gilvan Cândido.
O professor da FGV destaca que a inflação fechou 2019 em 4,31%, enquanto a Selic está em 4,5%. Por isso, gestores que prometeram aos seus clientes uma renda baseada em um ganho real ao ano — acima da inflação — de 4%, por exemplo, encontram uma obrigação desafiadora.
Prova disso, são as categorias de fundos mais conservadores, que aplicam apenas em títulos do governo com vencimentos mais curtos. Elas perderam rendimento. Em 2015, por exemplo, essas carteiras rendiam até 13% ao ano. Em 2019, o ganho anual não passou de 5,76%, conforme dados levantados pela empresa de informações financeiras Economatica. Descontando a inflação, de 4,3% conforme o IPCA, o ganho real foi menor que 1,5% em 12 meses.
Regulação protege?
Os executivos do setor ponderam que o mercado de previdência privada tem muitas proteções. É um setor bastante regulado, com acompanhamento da Susep, em que as empresas são fiscalizadas e cobradas para que tenham reservas técnicas e contratos de seguros. Tudo para garantir que o participante receba o que aplicou nas condições acertadas em contrato.
O superintendente de Produtos da Brasilprev, Sandro Bonfim, que responde pela maior empresa de previdência privada do país, disse que as condições de rendimento das carteiras mudaram. Em vez de inflação mais 4%, os gestores estão oferecendo hoje não mais que um rendimento equivalente a IPCA mais 2%.
Correr mais risco
Quem tem previdência privada, mas ainda está na fase de contribuição não deve se preocupar neste momento com esse risco. Por dois motivos: primeiro porque os gestores já estão mudando a forma de aplicar os recursos, buscando ativos que rendem mais que renda fixa, como ações, fundos imobiliários e fundos multimercados.
Segundo, porque as empresas de previdência privada não estão mais se comprometendo a pagar renda mensal vitalícia com rendimento de 4% ao ano mais inflação, como ocorria no passado.
Mas é consenso no mercado que os investidores hoje precisam autorizar os gestores dos planos de previdência a correr mais riscos. Sandro Bonfim diz que o mercado já vem está se adaptando à essa realidade. Assim, tem mais dinheiro indo para fundos de ações e multimercados. “Em 2017, cerca de 92% das alocações iam para renda fixa. Hoje, essa fatia caiu para 40%, enquanto 60% das novas aplicações estão indo para fundos multimercados e ações”, afirmou.
Ao aplicar mais dinheiro em ações que em títulos do governo, os gestores assumem mais riscos. Mas como são aplicações de longo prazo, o retorno tende a ser maior, apontam os profissionais. Para comparar, os fundos de previdência do tipo “ações indexados” renderam 31,94% ano passado, conforme dados da Economatica.
Migração de conservadores para agressivos
Dessa forma, destaca o sócio da TAG Investimentos, Marco Bismarch, que tem sob gestão mais de R$ 7,5 bilhões, os profissionais de mercado conseguem ajustar o rendimento dos planos de previdência às mudanças da economia para entregar a renda aos participantes, no futuro. “Temos visto uma migração de perfis de investidores mais conservadores para produtos mais agressivos”, disse. Ainda assim, a previdência privada é um mercado de investimentos que representa um “desafio grande” para os gestores, segundo o coordenador de alocação da XP Investimentos, Felipe Dexheimer. “Uma pessoa de 33 anos, por exemplo, que está começando previdência privada hoje para se aposentar aos 65 anos, vai contribuir por 32 anos e usufruir por quase 20 anos. Acontece muita coisa nesse tempo”, disse o profissional da maior plataforma de investimentos do país.