28/12/2019 às 08:30
Os principais cisnes negros de 2019, e suas consequências para os investimentos
Confira seis imprevistos que aconteceram ao longo do ano e mexeram com a economia e o mercado financeiro
Por Lilian Sobral | Para InfoMoney
SÃO PAULO – O ano de 2019 não foi para amadores e nem para profissionais experientes do mercado financeiro, que tiveram que suar para ganhar dinheiro nos últimos meses.
Entre governo novo no Brasil, crise política na América Latina e guerra comercial entre Estados Unidos e China, gestores e grandes investidores precisaram rever suas teses e cenários-base para encarar uma lista nada discreta de eventos não previstos (ou subestimados).
Faz lembrar do conhecido raciocínio de Nassim Taleb, que, em seu livro A lógica do Cisne Negro, mostrou que estamos constantemente à mercê da imprevisibilidade.
Preparar-se para o inesperado é a regra básica do mercado financeiro. Mas existe um ponto fundamental para diferenciar um “soluço” natural da renda variável de um acontecimento digno de ser chamado cisne negro.
“Além da imprevisibilidade, uma premissa básica é o alto impacto disseminado por vários segmentos do mercado. Para ser um cisne negro, um fato precisa ter efeito não apenas em uma empresa, mas em diversas indústrias e setores”, avalia Henrique Bousquat, responsável por produtos do escritório de agentes autônomos ALL Investimentos
Dois exemplos clássicos da lógica do cisne negro são os atendados de 11 de setembro de 2001 e a crise do subprime de 2008. O primeiro foi um evento completamente inesperado. O segundo até apareceu em projeções e falas de alguns economistas e gestores, mas foi subestimado pela maioria.
A eventualidade imposta pelos cisnes negros coloca em xeque os cenários-bases com os quais operam gestores e impõe um desafio ao mercado, de não agir no “efeito manada”, quando investidores decidem imitar a decisão de outros de maneira irracional, supondo que os demais estão mais bem informados.
Este ano teve uma série de notícias – positivas e negativas – que estavam longe do radar dos profissionais de finanças e que abalaram o mercado. Confira as principais:
1) Desastre em Brumadinho
O primeiro evento que pegou investidores de surpresa aconteceu logo em janeiro. Foi no dia 25, aniversário de São Paulo, que uma barragem da Vale colapsou em Brumadinho, Minas Gerais, deixando mais de 250 mortos confirmados, comunidades devastadas e prejuízos para o meio ambiente.
Claro que o efeito atingiu, primeiro, as ações da própria Vale. Mas, na sequência, as consequências se espalharam para o mercado de minério de ferro global: os preços da commodity subiram com as projeções de diminuição da produção da empresa.
Por fim, as preocupações chegaram à siderurgia e alcançaram outros segmentos. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) anunciou poucos dias após o acidente um plano para encerrar a disposição de rejeitos na barragem Casa de Pedra, em Congonhas (MG).
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) passou a fiscalizar mais de perto e revisar a política de segurança de barragens para hidrelétricas.
2) Peste suína na China
O surto da peste suína africana na China foi um dos piores da história. É uma adversidade que, no caso do Brasil, levou a um efeito positivo para algumas empresas.
Em meio ao crescimento da demanda vinda do país asiático, a expectativa é que o Brasil aumente suas exportações de carne suína em 12% neste ano, segundo Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
O surto ainda leva chineses a aumentarem o consumo de outras proteínas animais, fazendo com que as empresas brasileiras sejam duplamente beneficiadas. “Com isso, ações de JBS, Marfrig e BRF, por exemplo, já sobem de 60% a mais de 100% no ano”, aponta Bousquat, da ALL Investimentos.
3) Queda dos juros no Brasil
Aqui no Brasil, a taxa básica de juros, a Selic, caiu – e não foi pouco. No primeiro relatório de perspectivas para o ano (chamado Focus) que o Banco Central divulgou em 7 de janeiro, as expectativas indicavam uma Selic subindo para 7% em dezembro.
Ao longo dos primeiros meses de 2019, contudo, sem reação da economia e na ausência de pressão inflacionária, as sinalizações começaram a virar gradualmente para uma redução dos juros. Mas levou um tempo até que os analistas colocassem na conta o corte que poderia acontecer.
“O tamanho da queda foi, de fato, surpreendente”, diz Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em economia do Insper. Foi só em outubro que a projeção dos juros em 4,5% foi captada pela média das instituições consultadas para o Focus.
Os cortes colocaram um desafio para grandes gestores do mercado financeiro, que tiveram que repensar a dinâmica de alocação das carteiras. “O brasileiro tinha se acostumado com a lógica de que seria possível ter retorno e ganhar dinheiro com um risco muito baixo. Isso mudou, impondo uma quebra de paradigma interessante”, afirma a professora.
4) Alta do dólar
No começo do ano, notícias como a guerra comercial entre Estados Unidos e China, as incertezas na política latino-americana e as turbulências no setor de petróleo não exerciam peso suficiente para fazer com que gestores imaginassem que o dólar superaria R$ 4,20 ao longo de 2019.
“Conforme as notícias surgiram, as projeções para o dólar foram ajustadas e a alta expressiva começou a ser incorporada em projeções”, diz Juliana, do Insper.
Outro motivo para a valorização do dólar é a queda dos juros, que torna os investimentos em renda fixa no Brasil menos interessantes para os estrangeiros. Além disso, com taxas menores, empresas brasileiras decidiram captar recursos em reais e quitar suas dívidas em moeda estrangeira, o que é uma boa notícia, mas pressiona o câmbio.
A combinação de um noticiário internacional conturbado e algumas notícias positivas no Brasil, como a aprovação da reforma da Previdência, causou um efeito bastante incomum no mercado.
“Esse ano foi atípico. Vimos dólar e Bolsa subirem simultaneamente, o que é raro”, diz Tiago Reis, fundador da Suno Research. O movimento, que geralmente é inverso, uniu a previsível alta da bolsa (que figurava em análises e projeções para 2019), com a forte e surpreendente valorização do dólar, que chegou a níveis recordes.
5) Crise na América latina
Não que a região fosse um mar de tranquilidade na visão de grandes gestores internacionais, porém o estouro de uma crise política em diversos países da América Latina foi, sim, surpreendente. De forma violenta, protestos tomaram as ruas de países como Chile, Bolívia, Equador e Venezuela.
Para o Brasil, o maior efeito direto vem da Argentina. A saída de Mauricio Macri e a eleição de Alberto Fernández à presidência causaram uma apreensão que se refletiu no Brasil, especialmente por conta da figura de sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner.
O efeito começou logo antes da eleição oficial. “O resultado na primárias foi muito mais discrepante do que vinham apontando as pesquisas. Foi um evento que gerou uma volatilidade muito grande, com forte queda dos ativos argentinos”, lembra Marco Bismarchi, sócio da gestora de patrimônio TAG Investimentos.
6) Estrangeiros distantes
A instabilidade na América Latina foi apontada como um dos fatores que contribuíram para uma postura mais reticente de investidores internacionais em relação ao Brasil. No início do ano, havia a expectativa de que os estrangeiros investiriam mais no país.
Ao lado dos altos preços, esse foi um componente extra apontado para a baixa participação de estrangeiros no leilão de cessão onerosa, por exemplo.
“O Brasil tem notícias macroeconômicas positivas, mas, por estar inserido nesse contexto da América Latina, investidores internacionais podem ter avaliado que não era o melhor momento para investir no país”, diz a professora do Insper.
Navegar no imprevisível
Se não dá para se prever um cisne negro, talvez o que defina um bom gestor seja justamente a habilidade de rever suas estratégias sem tanto apego a cenários-base e se preparar para o imponderável.
Do ponto de vista do investidor pessoa física, Marcelo Henriques de Brito, planejador financeiro com certificação CFP, alerta para estratégias que possam minimizar riscos. Um dos pontos fundamentais é, justamente, não deixar de olhar para investimentos mais seguros, ainda que tenham retornos menores.
“É fundamental ter liquidez para um momento de crise e é preciso aceitar que parte do investimento esteja em aplicações menos rentáveis”, afirma.