Novo FGC tende a estimular título de crédito sem cobertura

Por Adriana Cotias | Para o Valor, de São Paulo

A recente imposição de um teto global de R$ 1 milhão para assegurar títulos e depósitos bancários sob o guarda-chuva do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) vai forçar o investidor, ao longo do tempo, a dosar melhor o risco dos papéis na sua carteira e pode estimular a compra de outros ativos de crédito sem cobertura, segundo gestores de patrimônio.

Na largada, a medida, que passou a valer no fim de dezembro, tende a ser, porém, mais educativa do que abrangente e não há, por ora, impacto visível nas taxas oferecidas pelos emissores. A percepção é que essa espécie de “apólice de seguro” no Brasil segue generosa e que o aplicador que insistir em comprar títulos bancários sem pesar a qualidade de cada instituição tem como montar estratégias para driblar o novo limite.

Ao desenhar as mudanças, o FGC e o Banco Central (BC) tiveram a intenção de coibir alguns exageros no mercado ao identificar, por exemplo, aplicadores com R$ 5 milhões distribuídos em Certificados de Depósitos Bancários (CDB) de diferentes bancos, com risco zero, e buscando as remunerações tipicamente mais altas. Pela cobertura antiga, bastava respeitar o limite de R$ 250 mil em cada instituição.

Agora, o que vale é o volume global de R$ 1 milhão por CPF ou CNPJ no sistema como um todo, numa janela móvel de quatro anos. Na hipótese de uma primeira intervenção bancária que acione o seguro de depósitos, o valor aplicado naquela instituição específica sofre automaticamente um decréscimo. Se for R$ 50 mil, o volume abatido será de R$ 50 mil.

“Em todo lugar do mundo é consagrado o princípio básico que é pegar o dinheiro da sociedade, que vem na forma de contribuição dos bancos, para garantir quem tem baixo conhecimento de crédito e não acessa os serviços de assessoria financeira”, diz André Loes, diretor-executivo do FGC. “E o que a gente percebeu é que o público que vinha fazendo investimentos em diversos bancos acabava tendo proteção para valores altos se considerar a renda média do brasileiro.”

De acordo com o executivo, desde que as mudanças começaram a ser discutidas em 2016, a ideia não era travar as emissões das instituições de menor porte, naturalmente as mais favorecidas pelo selo FGC, mas evitar excessos. Ele lembra que foi graças à cobertura e à popularidade das plataformas de investimentos que o Brasil atravessou quase três anos de recessão sem praticamente vivenciar quebras bancárias – a liquidação do Banco Azteca, em 2016, foi por insuficiência de capital do controlador e não por problema de liquidez, cita.

Como o estoque de depósitos à vista, a prazo e as letras de crédito e financeiras com esse tipo de cobertura foi preservado sob a regra antiga, Loes acredita que as instituições mais expostas ao funding do público de alta renda vão ter tempo para se readequar. Ele estima que, na média, os passivos bancários tenham atualmente um prazo entre um e dois anos.

O maior problema da cobertura benevolente é que ela tem gerado uma equiparação de risco entre as instituições, promovendo aquelas de pior qualidade e taxas mais altas, e de certa forma punindo as instituições com indicadores operacionais e de solvência melhores, afirma Marco Bismarshi, sócio da TAG Investimentos.

“Isso gera uma seleção perversa para dar dinheiro para qualquer um. Quando você limita o volume, força um pouco o investidor a fazer a lição de casa, analisar que banco vale a pena”, diz. “A vida estava muito fácil para os bancos que jogavam as taxas lá em cima para captar sem muito esforço. A mudança agora ajuda a separar o joio do trigo.”

Conforme levantamento da TAG, somando-se as faixas de R$ 150 mil a R$ 200 mil, havia em junho de 2017 apenas 0,30% dos investidores nessa faixa, em relação ao total das garantias prestadas pelo FGC. Uma fatia de 92,1% estava nos depósitos de até R$ 10 mil. Em percentuais relativos ao valor financeiro, a proporção é similar, de 7,46% na base da na base da pirâmide e de 6,78% no topo. O volume de depósitos elegíveis à garantia somava então R$ 1,893 trilhão. Só a poupança representava 34,14% do total garantido.

A equipe da TAG nota que mesmo sob o novo desenho do FGC é possível montar estratégias de vencimentos escalonados, em que o cliente poderia ter mais de R$ 1 milhão em ativos. Como o gatilho de redução da cobertura só dispara quando efetivamente uma instituição entra em liquidação, o investidor pode simplesmente não renovar algum papel.

Uma forma de fazer isso seria comprar títulos com vencimentos de três em três meses até completar 1,5 ano de bancos diferentes, colocando R$ 200 mil em cada instituição, com o total sempre em R$ 1,2 milhão. Caso algum banco sofresse intervenção, abatendo o total garantido a R$ 800 mil, o cliente poderia simplesmente não renovar o próximo vencimento e em três meses estaria 100% coberto.

“Muitos bancos vinham usando o FGC como peça de propaganda, se aproveitando disso, mas foi uma coisa boa para a economia como um todo, incentivou as instituições de menor porte, deixou o investidor mais seguro em relação ao que estava adquirindo”, afirma Carolina Simões, especialista em crédito da TAG. “O problema é a segurança demasiada.”

Na gestora já há uma seleção dos melhores riscos, não se apegando à cobertura do FGC. Com a Selic em queda desde o fim de 2016, a casa vinha buscando alternativas para atingir outros níveis de retorno e que podem ter risco de crédito baixo mesmo sem a garantia, afirma Bismarchi. Conforme cita, papéis como certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio (CRI e CRA) ou debêntures estão no radar. Nomes como Fibria, Raízen e Ultrapar, por exemplo, vieram a mercado com classificação “AAA” pelas agências de rating.

O novo FGC impacta principalmente as carteiras administradas porque o gestor tinha a facilidade de aplicar o dinheiro em bancos médios com taxas superiores a instituições de primeira linha e com o risco similar por causa da cobertura, diz Dennis Kac, sócio da butique de investimentos Brainvest. “Era uma facilidade para fazer a alocação na parte pós-fixada”, diz. “Com o limite de R$ 1 milhão para novos investimentos, se obriga a ter uma gama maior de fundos de crédito privado, buscar alternativas para dar eficiência ao CDI.”

O gestor diz ter, porém, poucos clientes nessa situação porque a maioria consolida suas aplicações por meio de fundos exclusivos, veículos não cobertos pela garantia do FGC por serem destinados ao investidor classificado como profissional.

Com pouco mais de um mês do novo FGC, ainda não é possível ver impactos em taxas ou prazos de títulos bancários expostos na plataforma de busca de investimentos Yubb, segundo o fundador Bernardo Pascowitch. Pelas dúvidas recebidas, ele percebeu que houve uma certa confusão sobre a janela móvel de quatro anos, com aplicador achando que perderia o seguro referente a R$ 250 mil no conjunto em caso de quebra de alguma instituição, mesmo que tivesse apenas R$ 10 mil aplicados.

“A mudança, de alguma forma, está assustando o pequeno investidor, ele não tem feito novas aplicações e esse não parece ser o comportamento desejado, porque quem está saindo, por exemplo, da poupança não vai direto para um multimercado sem passar por algum título bancário de renda fixa.”

Pascowitch diz que janeiro é um mês tradicionalmente fraco para aplicações, mas ao se fazer uma análise comportamental do público que acessa a plataforma com dados agregados, o Tesouro Direto e a caderneta ganharam preponderância em relação a outras opções de renda fixa.