01/06/2020 às 05h00

Novo equilíbrio nas contas externas alivia pressão no câmbio

Para analistas, dólar recua com exterior, postura do BC e ajuste no balanço de pagamentos

Por Lucas Hirata e Marcelo Osakabe | Para o Valor de São Paulo

Depois de ficar bem próximo da marca de R$ 6 em meados de maio, o dólar passou por um firme alívio e recuou quase 10% em cerca de duas semanas. Além do ambiente mais favorável ao risco no exterior e da postura mais incisiva do Banco Central sobre distorções no mercado de câmbio, analistas defendem que um novo equilíbrio das contas externas têm contribuído para liderar esse movimento.

Diante desses elementos, a depreciação do câmbio parece ter superado um pico e deixa um sinal de que a disparada do dólar até então era exagerada – muito em função da instabilidade política no país. Agora, o balanço de pagamentos, que consolida as saídas e as entradas de recursos do país, já mostra uma moderação do processo de forte debandada de capitais que havia sido observado em março e revela uma melhora nas transações com o exterior.

“Uma dinâmica bastante favorável da conta corrente, juntamente com a estabilização da saída de recursos na conta capital e do fluxo cambial, sugere que pressões sobre o real devem ser menos evidentes à frente”, afirmam os analistas do ASA Bank, cujo departamento de pesquisa econômica é chefiado pelo ex-secretário do Tesouro, Carlos Kawall.

Eles explicam que uma certa estabilização do fluxo cambial e a substancial mudança no balanço de pagamentos ajudam a reduzir as necessidades de financiamento externo. Neste contexto, o banco trabalha agora com uma projeção de R$ 5,50 para o dólar no fim de 2020 e de R$ 5,00 no encerramento de 2021, ante leituras anteriores de R$ 6,50 e R$ 6,00, respectivamente.

Na sexta-feira, o dólar comercial fechou em baixa de 0,83%, aos R$ 5,3364, garantindo queda de 1,90% em maio. Foi a primeira baixa mensal desde o início do ano. Vale dizer que grande parte do movimento veio em duas semanas, quando acumulou queda de 9,56% depois de fechar em R$ 5,90.

O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, acredita que as transações em conta corrente devam melhorar bastante graças ao perfil das exportações brasileiras, concentrado em commodities agrícolas e metais. Além disso, ele diz que o grosso da saída de capitais já aconteceu e as empresas brasileiras estão muito mais protegidas do que em crises passadas. Como não há sinais de grande descontrole da dívida pública, já que os gastos estão circunscritos ao combate à pandemia, não haveria incentivo para investidores locais comprarem dólares no preço atual e enviarem ao exterior.

“Estamos começando a encontrar um equilíbrio. Por isso, o câmbio voltou”, explica o economista do Bradesco, que vê o dólar em R$ 5,10 no fim do ano. “Mas ainda existem diversas incertezas, como o momento de retomada da agenda de reformas. Isso vai manter o prêmio de risco e a depreciação acima da média dos emergentes por um tempo. Quando o cenário ficar mais claro, podemos buscar um câmbio mais apreciado com benefício de uma conta corrente mais robusta”, diz.

Honorato explica que o nível de câmbio acima de R$ 5,50 por dólar já havia começado a gerar alguns efeitos práticos, como a melhora das exportações brasileiras, apesar da contração global, e um saldo em transações correntes apontando para o equilíbrio. De fato, em abril, a conta corrente teve superávit de US$ 3,8 bilhões, o que superou as expectativas de analistas. A leitura de parcela crescente do mercado agora é que o déficit acumulado em 12 meses possa ser zerado até o fim de 2020.

Ao mesmo tempo, observa-se moderação no processo de saída de capitais que ocorrera em março. A debandada de recursos de renda variável e de renda fixa desacelerou de US$ 22,2 bilhões em março para US$ 7,3 bilhões em abril. E isso continuou em maio: na prévia até o dia 21, as saídas totalizaram US$ 2,8 bilhões.

A atividade econômica mais fraca e o câmbio mais depreciado, bem como o aumento do isolamento social, impactaram o resultado: houve recuo expressivo nos déficits de viagens internacionais e de lucros e dividendos, de acordo com os analistas do Itaú. Eles esperam, agora, que os próximos meses devam ser marcados por continuidade da queda do déficit em conta corrente e que o saldo fique perto de zero nos próximos anos.

Para a economista Julia Gottlieb, do Itaú, essa conta não precisa ser zerada ou superavitária, necessariamente, mas sim ser equivalente ao fluxo de capitais. Ela alerta, assim, que o risco é que a saída de recursos de carteira se agrave devido ao descontrole fiscal ou uma crise global ainda maior. O Itaú trabalha com projeção de R$ 5,75 no fim de 2020 e R$ 4,50 em 2021.

Dentre os dados recentes, o lado negativo é que o investimento direto no país (IDP) – uma das principais fontes de financiamento – também enfrentou forte desaceleração na margem, embora ainda esteja em terreno positivo. Entre março e abril, o acumulado em doze meses caiu de US$ 78,1 bilhões para US$ 73,2 bilhões. A leitura, contudo, é que o IDP continuará ajudando as contas externas. “Esperamos continuidade deste movimento em decorrência da desaceleração do ritmo de atividade global e doméstica, devendo finalizar o ano com IDP na casa dos US$ 55,0 bilhões”, dizem analistas do ASA em relatório.

O novo equilíbrio das contas externas foi algo apontado pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, como um fator do alívio no câmbio. “Tem uma parte de fluxo de investimento direto que vai ter um impacto pelo tema do coronavírus, mas isso a gente acha que normaliza. Mesmo que caia um pouco, ele é um pouco contrabalanceado pelo resto”, disse.

O dirigente afirmou ainda que a autoridade monetária estava preparada para atuar de maneira mais intensa no câmbio nas últimas semanas – postura que, inclusive, ajudou a tirar pressão do mercado de moedas. “Nós fizemos intervenções maiores. Até estávamos preparados em algum momento para fazer uma intervenção maior. Acabou que o câmbio voltou recentemente um pouco”, disse em live promovida pelo BTG Pactual.

Na avaliação do economista-chefe da Garde, Daniel Weeks, dado o equilíbrio das contas externas, uma taxa de câmbio a R$ 6 por dólar é “overshooting”, ou seja, um movimento exagerado no jargão do mercado. Ele explica que uma surpresa negativa poderia vir no caso de uma fuga de capitais de brasileiros. “Isso é um risco, mas esse tipo de decisão vem com a perda de âncora fiscal, ou seja, o teto de gastos.”

Paralelamente, outro processo que se traduz em pressão de alta no dólar – o ajuste da posição dos bancos devido a novas regras para o chamado “overhedge” (proteção adicional de ativos no exterior) – parece ter passado sua fase mais aguda. “Os bancos tinham patrimônio fora do país e por questões de mudança na legislação vimos uma demanda por compra de dólar por parte dessas instituições nos últimos meses [para desmonte do “overhedge”]. Uma vez feito este ajuste, essa demanda por dólares cai bastante”, aponta o diretor de investimentos da TAG, Dan Kawa.

Na outra ponta, o economista Lívio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/ FGV), discorda de que a melhora dos números de transações correntes possa estar influenciando o câmbio. Usando um modelo para decompor os fatores que influenciaram o comportamento do câmbio entre os dias 8 e 26, o especialista nota que a valorização do real observada no período foi quase que exclusivamente dada pelo cenário externo – descompressão do risco e melhora dos preços das commodities, por exemplo. Nesse período, os fatores domésticos deram contribuição negativa – ou seja, na ausência deles, o dólar teria caído mais – e o diferencial de juros teve contribuição desprezível.

Em sua avaliação, ainda que o saldo em conta corrente melhore, o balanço de pagamentos continua negativo e pode até piorar. “Para entender todo o quadro, é preciso olhar também como estão as fontes de financiamento. E nos meses de março e abril, o que vimos foi uma saída muito grande dessas linhas, com perdas de US$ 25 bilhões em reservas mesmo com superávit em conta corrente. Ou seja, uma melhora no saldo em conta corrente não necessariamente está associada a uma melhora do balanço de pagamentos”, nota, acrescentando que não vê espaço para grande melhora dessas linhas até o fim do ano.

Para 2020, Ribeiro projeta déficit em conta corrente de US$ 10 bilhões, ou 0,7% do PIB. Já do lado do financiamento, a expectativa é de um rombo de US$ 40 bilhões. Estes números são, em boa parte, derivados da projeção para o PIB – a leitura atual do Ibre é de -5,5%. “As estimativas mais agressivas, que sugerem a possibilidade de um superávit em conta corrente esse ano, levam também em conta um tombo ainda maior do PIB, de 7% ou 8%. Ou seja, essas linhas reagem muito mais em função do crescimento do que da desvalorização”, explica o economista.