09/01/2020 às 05h01
Mercados têm dia de alívio com discurso de Trump
Dólar interrompe série de quatro altas e Ibovespa reduz perdas
Por Lucas Hirata, Marcelo Osakabe, Victor Rezende e Ana Carolina Neira | Para o Valor de São Paulo
No dia seguinte ao ataque iraniano contra aliados dos Estados Unidos no Iraque, as atenções dos mercados se concentraram no discurso do presidente americano, Donald Trump. Se antes dele ainda havia alguma apreensão, o tom apaziguador das declarações logo trouxe um alívio que ajudou a derrubar o dólar e amenizou as perdas do Ibovespa.
O republicano confirmou o que se especulava desde cedo: a Casa Branca não quer intensificar o conflito com o Irã nem anunciou incursões militares. O movimento deu novo ânimo às moedas emergentes e às ações de Nova York. Mas, num sinal de que o mercado segue sensível ao tema, o investidor tirou o pé do acelerador na reta final do pregão, diante de relatos sobre bombardeios no Iraque.
Por aqui, o dólar comercial caiu rapidamente após o discurso de Trump e chegou a tocar mínima intradiária de R$ 4,0408 antes de se acomodar. No fim do pregão, era negociado em queda de 0,31%, aos R$ 4,0518. Os juros futuros também queimaram prêmio de risco, num movimento incentivado ainda pela leitura de que o cenário de inflação segue benigno no país. A taxa do DI para janeiro de 2021, por exemplo, saiu de 4,485% para 4,460%.
Já o Ibovespa terminou em baixa pela quarta sessão consecutiva, mas com perdas mais contidas. O índice cedeu 0,36%, aos 116.247 pontos, sob intenso giro financeiro, somando R$ 17,9 bilhões, acima da média diária de R$ 12,3 bilhões de 2019.
“Vemos agora um movimento de busca por risco em todos os ativos, que é acompanhando de um dólar mais fraco contra as moedas emergentes”, diz Roberto Campos, sócio e gestor da Absolute Investimentos. Após a fala de Trump, Campos acredita que os mercados devam voltar a operar com o sentimento otimista visto no fim do ano passado.
Em seu aguardado pronunciamento, Trump afirmou ontem que a retaliação de Teerã não deixou mortos e pediu esforço coletivo de grandes potências para lidar com o Irã. O republicano até anunciou novas sanções contra o seu oponente do Oriente Médio, mas não citou nenhuma represália militar em relação ao ataque de mísseis na noite de terça.
“Do lado dos EUA, é interessante que a situação não se deteriore”, afirma o diretor de investimentos da TAG, Dan Kawa. Para ele, Trump acertou ao indicar que não deseja incentivar a tensão com o Irã. “Os EUA sofreram ataques, mas não tiveram nenhuma perda humana e pequenos danos materiais depois de terem matado uma das principais autoridades do Irã”.
Kawa aponta, ainda, que a retórica iraniana não foi tão agressiva e que, se não houver um aprofundamento da crise entre os dois países, o mais provável é a dissipação da questão ao longo do tempo. Como analogia, Kawa lembra que, no início da guerra comercial, os mercados mostravam mais sensibilidade às idas e vindas das disputas tarifárias, mas, posteriormente, deixaram de mostrar maior tensão.
“A não ser que haja um ‘cisne negro’, o mercado local de ações retoma de onde parou em 2019”, diz o diretor executivo da corretora BGC Liquidez, Ermínio Lucci, ao se referir a surpresas no cenário. Para ele, juros baixos, inflação controlada, retomada da atividade e crescimento do mercado de capitais ainda devem nortear ganhos nas ações por aqui. “Hoje, entendemos que existe um alívio generalizado com abertura ao diálogo e foco em diminuir a escalada de tensão na retórica entre EUA e Irã”, afirma.
No fim de 2019, o real vinha em trajetória de queda firme e chegou a beirar os R$ 4,00 nos primeiros pregões de 2020. Já o Ibovespa bateu a marca inédita de 118 mil pontos logo no dia 2 de janeiro, primeiro pregão do ano. No entanto, o ataque americano que matou o general iraniano na semana passada suspendeu esse movimento e a preocupação chegou aumentar na noite de terça-feira, quando bases militares de aliados americanos foram atacadas pelo Irã.
Para o economista Gustavo Arruda, do BNP Paribas, as discussões em torno dessa questão podem ficar para trás e “não devem continuar afetando os mercados”, tendo em vista o discurso mais ameno adotado por Trump. Assim, o cenário base do banco francês continua intacto. “Estamos com uma cabeça bastante construtiva para moedas emergentes neste ano por percebermos que há espaço para uma evolução positiva que advém tanto de um movimento de enfraquecimento mundial do dólar quanto de questões locais.”
Apesar do arrefecimento dos temores geopolíticos, o risco de uma escalada não desapareceu, avalia o diretor de avaliação de risco para países do Oriente Médio da IHS Markit, Firas Modad. Para ele, os discursos de Trump assim como de autoridades iranianas indicam que ambos os lados não têm interesse de transformar o conflito em uma guerra total. No entanto, o balanço final das ações deve significar a manutenção do atual ‘status quo’, o que significa novos confrontos em baixa escala que não arrisquem desencadear uma guerra frontal. “Isto deixa um risco latente de escalada, uma vez que deixa o cenário vulnerável a um erro de cálculo de qualquer um dos lados”, diz o profissional.