Maio traz perdas generalizadas e recomendação é privilegiar caixa
Por Adriana Cotias | Para Valor, de São Paulo.
Maio foi um desastre para a maioria das aplicações financeiras. De investimentos de maior risco à renda fixa, o revés não poupou ninguém. À surpresa com a manutenção do juro pelo Banco Central (BC) seguiu-se a greve dos caminhoneiros, um baque para as ações da Petrobras e para os ativos brasileiros em geral, num momento em que a cena externa já se mostrava menos favorável para os emergentes. O aumento da percepção de risco levou os estrategistas de investimentos e gestores a adotar uma postura mais pé atrás nas suas recomendações de alocação. Posições em caixa rodando aos magros 6,5% da Selic se tornaram mais recorrentes, e com peso relevante na carteira.
Na dianteira, mais uma vez, ficou o dólar, com valorização de 6,7% no mês até o dia 29, com 12,8% acumulados no ano, e o ouro, com 5,8% no mês e 15,3% desde janeiro. O Ibovespa teve seus ganhos de 2018 praticamente anulados pela má performance de maio, com desvalorização de 11,7%.
No Tesouro Direto, os títulos indexados à inflação com vencimento em 2045 perdiam 11,6% no mês, enquanto os papéis prefixados com resgate em 2025 caíam 7,4% até o dia 29. Um tombo e tanto para ativos que costumam ser o porto seguro do aplicador. Vale lembrar que esses são efeitos da atualização dos papéis a preços de mercado, mas quem leva esses títulos até o vencimento tem assegurada a taxa contratada na data da compra.
No Santander, metade do patrimônio dos investidores do private banking com perfil balanceado está em papéis pós-fixados, diz Gustavo Schwartzmann, superintendente executivo da área. “Melhor caixa a 6,5% do que perder dinheiro. Por causa do juro tão baixo, às vezes [o dinheiro] queima a mão das pessoas”, diz. De acordo com o executivo, o mercado havia montado uma posição grande a favor de uma queda da Selic, e agora o que se vê é o desmonte generalizado. “Isso dá oportunidades para alocar e é o que a gente vem fazendo, mas lentamente.”
Conforme cita, a instituição segue com uma exposição leve no risco bolsa, mas já começa a fazer algum posicionamento em Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B) após as taxas voltarem a bater os 5,5%. No mercado de ações, a instituição já tinha reduzido a exposição desde que o Ibovespa bateu os 86 mil pontos em fevereiro, e a indicação para compor a carteira com uma parcela de dólar, feita em março – quando a moeda estava na casa dos R$ 3,25 -, já foi revertida, a fim de embolsar os ganhos, após a escalada até os R$ 3,70.
“A deterioração veio muito mais rápida do que a gente imaginava e obviamente o ‘trigger’ do câmbio era o cenário externo, a alta de juros lá fora, mas o movimento se acentuou com a diferenciação maior da economia dos Estados Unidos em relação a outras, atingindo muito emergente com fundamento mais fraco, principalmente Argentina e Turquia.”
Para o especialista, a corrida pelo dólar no Brasil acabou se acelerando após o BC sinalizar queda do juro e na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) adotar a postura mais conservadora de manter a taxa. A crise do desabastecimento provocada pela greve dos caminhoneiros e a discussão sobre os preços de combustíveis que colocou a Petrobras no olho do furacão arremataram a piora na percepção geral de risco.
Com o jogo político incerto, sem que um candidato de centro tenha decolado após a prisão do ex-presidente Lula, a Tag Investimentos reduziu as posições em opções de maior risco entre março e abril. E foi mais longe: criou um fundo anticrise para acomodar uma pequena parcela do patrimônio de seus investidores, conta o gestor de portfólio Marco Bismarchi.
“A gente estava num nível ‘muito otimista’ e deslocou para ‘otimista’, com a visão de que seria um cenário mais difícil por causa das eleições, com mais preocupação em relação à volatilidade, daí o fundo de proteção”, diz. Com a carteira composta de opções de dólar e uma parcela vendida (apostando na baixa) em Ibovespa, a estratégia, com valorização de 20% em dois meses, se provou acertada, cita.
Na área de grandes fortunas do Itaú, a única posição com um peso maior hoje é em bolsa americana, com indicação neutra para todos os outros ativos que compõem a parcela em risco Brasil, diz Nicholas McCarthy, chefe global de investimentos do Itaú Private Bank.
Desde o começo do ano, a instituição já vinha reduzindo as posições locais para se proteger dos efeitos da normalização monetária nos EUA num primeiro momento, com Japão e Europa na sequência – correções que atrapalham o crescimento no mundo. No Brasil, a projeção de expansão que chegou a ser de 3% caiu para 2,7% e depois foi revisada para 2% no banco, o que afeta o desempenho das empresas e as estimativas para o PIB em 2019. “A gente optou por reduzir a recomendação de alocação em bolsa e hoje, olhando para frente, continua neutro em tudo.”
McCarthy acrescenta que a greve dos caminhoneiros atrapalha a visão de atividade de curto prazo ao mesmo tempo que traz mais inflação por conta do desabastecimento e falta de insumos para a produção. Mas se a crise não se prolongar, os preços tendem a voltar a ceder e as companhias retomam algum ritmo. “Ainda estamos construtivos num horizonte de 12 a 18 meses, o Brasil pode ter uma recuperação, mas talvez menor do que achávamos.”
Hoje, entre 20% e 25% do patrimônio dos investidores alocado em Brasil está em juros nominais mais curtos e juros reais com vencimentos intermediários. Há uma parcela de cerca de 35% em multimercados, que podem capturar mais rapidamente mudanças de cenário ao longo do tempo. Na carteira local não há recomendação para dólar, com tal exposição restrita a ativos mantidos no exterior.
“Num horizonte maior de tempo, a tendência é o real se apreciar. Talvez nos próximos cinco meses seja difícil porque esse é um movimento de apreciação do dólar mundialmente e no Brasil ainda tem eleições.”
No nível da taxa de câmbio atual, Schwartzmann, do Santander, entende que a assimetria piorou, com as chances de acomodação ou valorização parecidas. Ele cita que a baixa recente do real colocou a moeda brasileira no mesmo nível do fim de 2015 em relação a uma cesta de divisas emergentes, quando se exclui Argentina e Turquia.
Dos fatores que fariam o executivo recomendar bolsa ainda estão a Selic baixa, mas a atividade econômica vem surpreendendo negativamente, o que recomenda uma posição mais cautelosa. “O mercado foi por muito tempo resiliente, suportado pela depreciação do câmbio e por movimento global de commodities, que seguraram Petrobras e Vale. Mas nos últimos dias o câmbio se tornou mais errático, agravado pela deterioração rápida de Petrobras. Não há pressa para aumentar a alocação, porque os próximos meses serão muito voláteis.”