28/08/2019 às 05h00

Gestão de patrimônio passa por período de consolidações

Por Adriana Cotias | Para o Valor de São Paulo

Desde que o suíço UBS adquiriu o multifamily office Consenso em 2017 como um caminho para ganhar relevância no mercado de fortunas no Brasil, uma série de movimentos de consolidação no setor veio na sequência. O também suíço Julius Baer, que já havia adquirido a GPS em 2011, assumiu a Reliance em 2018 e em maio comprou participação minoritária na gestora virtual Magnetis. O grupo Andbank, do principado europeu de Andorra, assumiu a base de clientes da Triar e, mais recentemente, a da Capital Investimentos, reunindo R$ 8 bilhões. A italiana Azimut vem pouco a pouco incorporando carteiras em diversas regiões, com duas nos últimos meses que elevaram em cerca de R$ 650 milhões o patrimônio sob gestão, a mais de R$ 8 bilhões.

Para os grupos estrangeiros fazia todo sentido o atalho das aquisições porque seria custoso contratar pessoas e montar carteiras organicamente, conta um executivo envolvido num desses processos. E no Brasil dos juros a 6% ao ano é de se esperar que outras associações tenham sequência no país. “Ser grande é bom. Não só pelo juro baixo, mas para ter a estrutura toda para fazer bem feito, o compliance, o alinhamento às regras da CVM… vai ficando difícil ser menor, é preciso ter tamanho, escala”, comenta esse profissional.

As movimentações do Julius Baer permitiram ao grupo superar a marca de R$ 50 bilhões em administração de fortunas no Brasil. Em sua última passagem pelo país, no fim do ano passado, o executivo-chefe do banco, Bernhard Hodler, revelava querer figurar entre os seis maiores no país, rivalizando com os nomes do private banking.

Em todos os outros 18 países onde a Azimut tem presença, a expansão via consolidação foi uma rota comum, e no Brasil não tem sido diferente, diz Antonio Costa, executivo-chefe da Azimut Wealth Brasil. A casa, que globalmente reúne cerca de EUR 60 bilhões, tem identificado oportunidades regionalmente. Está em vias de concluir um acordo para ter um escritório na Barra da Tijuca, no Rio, em paralelo à operação no Leblon, que já tinha sido fruto da incorporação da gestora de patrimônio Guidance em 2018. Em Curitiba, a empresa selou acordo com dois “bankers” oriundos do private de uma grande instituição financeira.

Com essas adições, a empresa, que só faz gestão de patrimônio, está presente em nove cidades, em sete estados brasileiros. Costa diz não ter um tamanho ideal na cabeça, mas acha factível dobrar o volume sob gestão olhando à frente. “A gente gostaria de ser a alternativa ao que existe hoje, aos grandes bancos, de forma isenta e independente. O tamanho importa para que o cliente tenha a segurança de fazer a mudança, mas por sermos independentes não vamos ter a escala de um banco.”

Enquanto os bancos, na sua área de gestão de fortunas, reuniam R$ 1,176 trilhão em junho, segundo a Anbima, estima-se que o mercado independente tenha cerca de 70 gestoras, com algo perto de R$ 200 bilhões – a entidade trabalha na atualização dos dados semestrais que vão contemplar um mapa mais amplo do segmento que até o ano passado tinha R$ 116 bilhões. Essas estruturas abarcam “single” ou “multi-family offices”, aquelas butiques que têm na sua atividade principal a administração de carteiras ou a gestão de fundos exclusivos.

No modelo independente, o investidor paga um percentual sobre o patrimônio para remunerar o aconselhamento financeiro, e todos os benefícios que ficariam com o intermediário, como rebates de fundos ou taxa de corretagem em colocações primárias, por exemplo, são revertidos em benefício do próprio cliente. A lógica é que, quanto mais contribuir para aumentar o bolo de recursos do investidor, proporcionalmente maior vai ser o ganho do profissional. E como não recebe nada pela distribuição, a sua opinião não seria vulnerável a conflitos que podem existir no comissionamento ligado a produtos.

Manter-se fiel à cartilha da independência é a forma de estar 100% alinhado ao cliente, diz Leonardo Martins, um dos sócios do Turim Family Office & Investment Management, há 20 anos no mercado. “Essa crença está muito imbuída no espírito dos sócios desde o começo. Foi criada uma estrutura de partnership em que o modelo da independência é a única maneira de viabilizar um negócio que tem foco no cliente.”

 Ao longo da sua trajetória, ele diz que a gestora sempre se esquivou de conversas para uma associação ou combinação de negócios. São 12 sócios, com os fundadores Gustavo Marini e Eduardo Gomes como os principais, com 50% da empresa, e o restante do capital pulverizado entre os demais. Martins diz haver regras claras de governança que preveem troca de ações anualmente de maneira a beneficiar aqueles que trazem os melhores resultados. E já há também um modelo de sucessão interno desenhado pensando na perpetuação do negócio como um todo.

 Martins não revela o tamanho que a empresa alcançou com a filosofia de ser um “single family office” para cada uma das cerca de 60 famílias atendidas pela Turim. Todo o crescimento até aqui foi orgânico. “Temos famílias que têm membros da terceira geração com a gente, desde o patriarca até os netos”, diz. O formulário de referência relativo a 2018 apontava R$ 5,5 bilhões, mas os dados não incluem a parcela offshore.

Outras gestoras de patrimônio que seguem independentes não estão, contudo, de olhos fechados aos novos tempos da “desbancarização” dos investimentos e têm desbravado outros nichos e geografias.

A Tag Investimentos, por exemplo, identificou uma lacuna na oferta de alocação de ativos, serviço tipicamente endereçado à pessoa física, para as entidades fechadas de previdência complementar. Segundo o sócio da gestora Thiago Castro, essa é uma atividade que acaba sendo acumulada dentre as responsabilidades da tesouraria ou da área de recursos humanos nas empresas, e acaba ficando em segundo plano.

“Lá fora tem a figura do ‘outsourcing’ CIO [executivo-chefe de investimentos], o profissional que consegue dar consultoria sobre [cumprimento de] metas atuariais e também fala da política de investimentos com os participantes e olha para frente, não pelo retrovisor”, diz. “Resolvemos ser vanguardistas e sair do conforto da pessoa física para o mundo institucional.”

Numa frente oposta, a Tag está chegando ao varejo, por meio de uma parceria com a Pi Investimentos, a plataforma aberta a produtos de terceiros do Santander. “Foi a oportunidade de dar acesso a um público totalmente diferente do nosso, sem que tivesse o peso de trabalhar carteiras personalizadas uma a uma”, descreve Castro. Com cerca de R$ 7,5 bilhões, no seu negócio tradicional a empresa atende famílias com patrimônio a partir de R$ 5 milhões. Já na gestão de um fundo exclusivo para os clientes da Pi, o investidor acessa a estratégia a partir de R$ 100.

Para Castro, o acordo representa ainda um reforço de marca, tornando o nome da gestora reconhecido fora do seu público cativo, ao mesmo tempo que passa a ser associado a um projeto de inovação tecnológica.

O gestor admite que a Tag chegou a ser procurada por competidores interessados numa associação, mas internamente a avaliação é que a casa, com 15 anos de vida, ainda está num meio de ciclo. Com sócios relativamente jovens, questões como sucessão ainda não são um problema. “Normalmente as conversas não causam muito eco porque a gente não permite uma segunda ou terceira reunião para não ser seduzido. Deve acontecer no futuro, mas temos ainda muita energia para fazer o negócio crescer.”

Com nomes tradicionais do segmento de gestão de fortunas como GPS, Reliance e Consenso incorporados às estruturas de bancos estrangeiros, manter a veia independente pode ser um diferencial para o investidor que busca a plena autonomia, avalia Dany Roizman, sócio-fundador da Brainvest. “

É normal que grandes players se interessem em buscar líderes, mas temos uma característica diferente porque somos uma verdadeira ‘partnership’, ninguém tem posição dominante. A gente pulverizou entre os sócios exatamente para que, se houvesse uma proposta, não seria algo que mudasse radicalmente a vida de ninguém.” Roizman diz que a casa já foi sondada por competidores, especialmente pelo fato de ter patrimônio relevante de brasileiros no exterior, dada a origem da casa, que foi fundada em Genebra e só depois montou a operação no Brasil.

Com cerca de R$ 7,5 bilhões em recursos locais e “offshore”, a Brainvest tem escritórios em São Paulo, Rio e Miami. O que a butique de investimento tem buscado é outros minoritários que tragam carteiras complementares. Esse é o caso de uma associação que vem sendo costurada com uma gestora de fortunas de Curitiba, a Inva Capital, que vai acrescentar cerca de R$ 400 milhões ao negócio e assegura uma presença física para os clientes da região.

 A empresa também atraiu um time de Genebra do UBS que fazia gestão para clientes mexicanos e agora vai estrear uma operação no país latinoamericano com três profissionais dedicados. Argentina, Uruguai e Chile são outros mercados que vêm sendo estudados, antecipa Roizman.

Esse é um negócio em que tamanho importa, avalia o executivo, porque só assim é possível participar de “club deals” em operações de private equity, venture capital ou crédito estruturado. “Se não tem uma estrutura mínima, o custo para conseguir ter boa governança, controlar as transações com segurança para os clientes não se viabiliza.” Com outros três escritórios de gestão de fortunas internacionais, a Brainvest criou, por exemplo, um Inter Fund Management (IFM), em Luxemburgo, justamente para abrigar recursos “offshore” na escolha de certos ativos.

Já a Investment One Partners, do ex-presidente do Deutsche Bank Bernardo Parnes, se estruturou para ter três partnerships: uma de banco de investimentos que assessora fusões, aquisições, renegociações e operações de mercado de capitais; outra abarca o multi-family office e a terceira, uma gestora de recursos.

Neste último braço, a asset já nasceu com um histórico de desempenho ao trazer o ex-J.P. Morgan e Gávea Thomas de Mello para o projeto. O gestor toca desde 2009 um fundo de ações que foi transferido para a Investment One. O time também é o mesmo e ele espera agora reconstruir na nova casa o patrimônio que chegou a ter no passado, de cerca de R$ 1,5 bilhão. O portfólio, hoje com cerca de R$ 100 milhões, é destinado tanto à pessoa física quanto ao qualificado e institucional. O próximo passo é contratar outro gestor de portfólio para uma estratégia “long-bias”, que vai calibrar a exposição em ações conforme o cenário.

Apesar de ter uma gestora própria na estrutura da Investment One, Parnes diz que a ideia é crescer em todas as áreas, mas sem conflito. No negócio de banco de investimento não há crédito. No multi-family office, que reúne cerca de R$ 2 bilhões, não há produto próprio e se o cliente quiser investir nos fundos da gestora tem que documentar essa escolha. Quando estruturou a empresa, em meados de 2017, o executivo lembra que a economia não estava indo bem, mas, com algumas gestoras de patrimônio sendo compradas por bancos, a visão era que havia como conquistar um pedaço desse mercado. “

A gente vem ocupando esse espaço e espera ter tamanho desses grandes players num futuro próximo”, afirma Parnes.

Sérgio Penchas, que trabalhou no Safra por 26 anos e é um dos sócios do “wealth management”, pondera que a indústria de investimentos no Brasil tem cerca de R$ 3 trilhões, com quase R$ 1 trilhão no exterior, mas que ninguém entre as independentes conseguiu atrair volumes muito significativos até aqui. “Fazendo da forma correta, há um espaço grande para fazer num volume bem maior”, afirma. Ter outros negócios dentro de casa também ajuda a ter algum tipo de sinergia, como quando há eventos de liquidez nas empresas assessoradas que possam alimentar o patrimônio das famílias.