Forte queda da inflação relativiza impacto do atraso nas reformas

Por Angela Bittencourt e Lucas Hirata | Para o Valor, de São Paulo

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) confirmou a expectativa da maioria do mercado ao cortar a taxa Selic em 1,0 ponto percentual, para 10,25%. E também confirmou a percepção de vários economistas ao sinalizar para a desaceleração do ritmo de corte da taxa no Comunicado apresentado com sua decisão ontem. Pesquisa quantitativa feita pelo Valor PRO, na semana passada, sobre as projeções para a taxa Selic em maio, dezembro de 2017 e de 2018, apontou para a decisão efetivamente tomada pelo Comitê, apesar da expectativa anterior que chegou a se formar quanto à possibilidade de ocorrer, nesta reunião, um corte maior, de 1,25 ponto.

Em busca de uma avaliação qualitativa da decisão do Copom, apresentamos aos 41 economistas consultados a seguinte questão: “A possibilidade (real) de atraso na aprovação das reformas previdenciária e trabalhista pode frear a queda da Selic. Se pode, em que momento esse freio será acionado?”

A pergunta não explicitou o agravamento da crise política em decorrência da delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores do grupo JBS, que acabou por levar o presidente Michel Temer ao ápice da crise. Contudo, as respostas enviadas por email contemplaram tecnicamente a relevância da Reforma da Previdência para o equilíbrio das contas públicas e, parte delas, citaram o agravamento da crise política que ecoa no Congresso, tornando-se um fator adicional a justificar o atraso na tramitação de projetos, inclusive das reformas estruturais. 

Os economistas, em sua maioria, indicaram também que uma avaliação objetiva sobre o ciclo de flexibilização monetária __ e sua continuidade __  a trajetória de queda da inflação poderia se sobrepor à conclusão das reformas ainda que temporariamente.

Do elenco de 41 analistas de instituições financeiras e consultorias entrevistados, 35 já esperavam corte da Selic em 1 ponto, para 10,25% ao ano; 5 projetavam redução de 0,75 ponto e apenas 1 previa queda de 1,25 ponto.

Abaixo, seguem as respostas dos economistas, na íntegra, por ordem alfabética, à questão: “A possibilidade (real) de atraso na aprovação das reformas previdenciária e trabalhista pode frear a queda da Selic. Se pode, em que momento esse freio será acionado?”

Adeodato Netto, economista-chefe da Eleven Financial: A Reforma da Previdência tem efeito de longo prazo, a Reforma Trabalhista sim tem impacto mais imediato. Inversão da tendência do endividamento público de longo prazo é fundamental, mas não deveria mudar a convicção de que estamos absolutamente fora do razoável com juros reais tão altos. As expectativas [de inflação] para 2017 e 2018 [combinada à] Selic de dois dígitos é desplugar a técnica da realidade.

Alessandra Ribeiro, especialista em Macroeconomia e Política da Tendências Consultoria Integrada: Se o mercado perceber que, apesar do atraso, as reformas ainda devem ser aprovadas, os efeitos devem existir, mas não devem ser significativos, a ponto de impedir a continuidade da queda da Selic.

Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Distribuidora: Acredito que a Reforma Trabalhista deva ser aprovada ainda em junho e a da Previdência adiada para o segundo semestre. Mas não creio que o BC vá nortear a política monetária com olhar de curtíssimo prazo, por conta do episódio JBS. Trabalho com projeção de queda da Selic até 9,5% esse ano na reunião de julho seguida de pausa, especialmente se o ambiente político estiver ainda conturbado. Em 2018, voltaremos com novas reduções, até 8,5%.

Camila Abdelmalack, economista-chefe da CM Capital Markets: Na verdade, já podemos enxergar a possibilidade deste evento [delação dos irmãos Batista, do JBS] frear a queda da Selic, visto que as instituições que projetavam cortes mais agressivos, voltaram a projetar manutenção do ritmo de corte em 1 pp, ou até mesmo cortes de magnitude inferior, com a Selic encerrando 2017 em patamar superior aos 8,50%, ainda consenso do mercado. Tal movimento também foi precificado pela curva de juros, que vinha antecipando cortes mais agressivos nas próximas reuniões. Nos parece que o freio será acionado porque a crise política pesa no andamento da Reforma da Previdência, e consequentemente pesa no balanço de riscos do Banco Central, limitando sua atuação, ainda que o cenário inflacionário seja benéfico. 

Carlos Predroso, economista sênior do Mitsubishi UFJ Financial Group (MUFG) no Brasil: Sim, é real a possibilidade de atrasos na aprovação das reformas, sobretudo a da Previdência, frear a queda da Selic, mas entendemos que o freio não será acionado nesta reunião de Maio, mas sim nas reuniões seguintes, quando teremos uma ideia melhor das chances de progresso das votações no Congresso e se novas mudanças ao texto serão introduzidas.

Carlos Kawall, economista-chefe Banco Safra: Depende não da aprovação ou não da reforma em si, e sim do comportamento do câmbio. Como a economia está muito deprimida, mesmo com o câmbio entre R$ 3,30 e R$ 3,50 ainda haveria espaço para queda da Selic.

Carlos Kawall, economista-chefe Banco Safra: Depende não da aprovação ou não da reforma em si, e sim do comportamento do câmbio. Como a economia está muito deprimida, mesmo com o câmbio entre R$ 3,30 e R$ 3,50 ainda haveria espaço para queda da Selic.

Deiwes Rubira, sócio-diretor da Verus Gestão de Patrimônio: Um atraso na aprovação das reformas previdenciária e trabalhista pode frear a queda da Selic. Provavelmente, após o Copom encerrar o ciclo de corte dos juros baseado apenas na expectativa de inflação observada para 2017.

Eduardo Velho, economista-chefe e diretor de Fundos da A2A Asset/INVX Global Partners: A manutenção do presidente Michel Temer na condução do governo, ou seja, sem renúncia e na ausência de cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou pedido de abertura do impeachment, o Banco Central poderia reduzir a meta Selic em 1 ponto também na reunião de julho, para 9,25%. Entretanto, nesse cenário, o apoio político poderia ficar um pouco mais frágil com pressões potenciais de instabilidade, postergação de votação das reformas e dúvidas em sua aprovação, gerando uma imprevisibilidade para o investimento, o que poderia elevar as perspectivas da taxa média de câmbio e de inflação e comprometer o crescimento, gerando uma redução mais moderada da Selic para 8,5% até dezembro deste ano. O ciclo de flexibilização seria interrompido em outubro.

Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores: O atraso nas votações já fez efeito. O Copom poderia cortar a Selic em 1,25 ponto nesta reunião de Maio. Mas o “novo ambiente político” sugere um corte menor, de 1 ponto.

Fábio Astrauskas, economista e CEO da Siegen: O eventual e provável atraso na aprovação das reformas trabalhista e previdenciária não deve impactar fortemente as decisões de queda da Selic para 2017. O maior agente influenciador de curto prazo para a redução de juros Selic é a inflação em forte queda. Porém, para 2018 em diante, a sinalização de reformas adiadas ou enfraquecidas iria impossibilitar a sustentação dos juros Selic em níveis abaixo de 2 dígitos.

Flavio Serrano, economista sênior do Haitong Investment Bank: Sabemos que a agenda reformista é importantíssima para definir até onde os juros poderão cair. Entretanto, é muito difícil antecipar quando isso poderá ser um impeditivo para uma nova ação de alívio monetário. Depende tanto do cenário de curto prazo como da evolução do imbróglio político.

Ivo Chermont Prochnik, economista-chefe da Quantitas Asset: O atraso nas votações tem consequências já. A crise inverteu o cenário. O possível corte da Selic em 1,25 ponto voltou a 1 ponto, e a perspectiva de redução da taxa nas próximas reuniões também diminuiu.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset: O atraso nas reformas pode frear o processo de corte da Selic a partir da próxima reunião. Após esta de Maio.

João Luiz Mascolo, sócio-fundador da SM Managed Futures e professor do Insper: Um freio na trajetória de queda da Selic pode ocorrer quando for conhecido o nome do eventual substituto do presidente Michel Temer e precificada a possibilidade de avanço ou não nas Reformas.

José Claudio Securato, economista e presidente da Saint Paul Escola de Negócios: O atraso das reformas previdenciária e trabalhista não podem frear a queda da Selic. O cumprimento da meta de inflação em 2017 está praticamente dado e há uma “gordura” frente ao centro da meta. O que pode acontecer (em caso de atraso nas reformas) é uma desaceleração do ritmo de queda e o patamar em que a taxa estabilizará.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator: Entendo que (o atraso nas reformas) já afetou [o ritmo de queda da Selic] na medida em que o Copom, pelo menos, vai sinalizar com cautela nesta reunião de Maio, ainda que mantenha o ritmo de 1 ponto de queda. A indefinição da governabilidade deve persistir até o Copom de julho, o que, a depender da evolução do câmbio e do CDS, pode levar o Copom a interromper o ciclo de queda. Se as lideranças políticas mostrarem que a mudança é de governo __ e não da lógica de chegar às eleições de 2018 sem rupturas __ e atendendo minimamente as preocupações com a trajetória da dívida pública, aposto que o ajuste fiscal não andará sem a Reforma da Previdência. O único evento com data marcada atualmente é a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que julgará a chapa Dilma-Temer, entre 6 e 8 de junho.

Juan Jensen, economista-chefe da 4E Consultoria: O atraso das reformas previdenciária e trabalhista não exatamente freiam a queda da Selic, dado que a piora da perspectiva fiscal é contrabalançada por uma atividade econômica mais fraca. Assim, os juros devem seguir em queda, ainda que o patamar final fique acima do que poderia ficar se a reforma da previdência fosse aprovada.

Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil: A crise política atual já deve exercer impacto na decisão do Copom desta semana, fazendo com que a autoridade monetária opte por não acelerar o ritmo de corte de juros. Além disso, o orçamento total do corte da taxa Selic este ano deverá ser menor, em virtude do cenário mais incerto para aprovação das reformas estruturais no Congresso.

Luiz Fernando Castelli, economista da GO Associados: Acredito que a partir da reunião de Maio o atraso das reformas previdenciária e trabalhista pode frear a queda da Selic. Diante da elevada incerteza no cenário político/econômico, recomenda-se alguma cautela no processo de flexibilização monetária por parte do BC à fim de evitar contaminação no processo de formação das expectativas de inflação e possíveis efeitos do pass-through do câmbio para inflação. 

Marco Bismarchi, sócio gestor da TAG Investimentos: Se houver uma percepção de que nada (em termos de reforma) será aprovado esse ano, e possivelmente seja pauta somente de quem for eleito em 2018, é possível, sim, que o movimento de queda da Selic seja freado, até para avaliar os possíveis impactos do dólar e outras variáveis na inflação.

Marco Caruso, economista-chefe do Banco Pine: Trabalhamos com a visão de que as reformas estão em pausa temporária. De qualquer forma, mais do que os impactos inflacionários diretos do impulso fiscal, que tem defasagem grande, importa para o Banco Central os impactos indiretos da postura fiscal via pressão sobre o risco-país, câmbio e expectativas de inflação. Se ficar claro que a reforma da Previdência será atrasada a perder de vista, importa para o Copom a sua repercussão sobre essas variáveis, que certamente piorariam. No entanto, considerando as “válvulas de escape” que temos pela frente, leia-se possibilidade de novo governo reformista agora ou a partir de 2019, nós entendemos que esse cenário extremo não é preponderante.

Newton Rosa, economista-chefe da Superintendência de Economia da SulAmérica Investimentos: A interrupção das reformas, deixando incerto a retomada, empurrando sua conclusão para 2019, deve levar à forte deterioração das expectativas dos agentes por causa do agravamento do desequilibro das contas públicas e elevação do endividamento público. Risco-país em alta e câmbio mais depreciado contaminariam rapidamente as projeções de inflação para os próximos anos. Neste cenário, não se descarta a chance de o BC frear a queda da Selic após a reunião de setembro.

Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi: O freio já ocorre na reunião do Copom deste mês, maio. Prevíamos corte de 1,25 ponto percentual e agora indicamos 1 ponto. E há colegas qualificados em temas monetários que já falam em corte menor de 0,75 ponto.

Pablo Spayer, diretor de Operações da Mirae Asset Brasil: Sem dúvida, (o freio na queda da Selic) seria/será notado na próxima reunião, onde terão que diminuir o ritmo de corte. Nesta semana, ainda acredidtamos num corte de 1 ponto.

Patricia Krause, economista-chefe da Coface para América Latina: Acredito que nesta reunião de Maio já sentiremos o efeito da maior incerteza com relação à reforma. Antes o mercado esperava redução de 1,25 ponto percentual, agora a expectativa está mais entre 0,50 ponto e 0,75 ponto.

Roberto Luis Troster, sócio-diretor da Troster & Associados: Essas reformas são de impacto demorado, portanto, com pouco efeito no curto prazo. Um atraso de alguns meses não afeta o cenário de longo prazo.

Sérgio Goldenstein, sócio e gestor da Flag Asset: O mercado já incorporou a perspectiva de atraso das reformas e, em parte, a não aprovação da Reforma da Previdência. O principal impacto da não aprovação das reformas seria a postergação do processo de queda da taxa de juros estrutural da economia. Nesse cenário, dificilmente haveria espaço para uma taxa Selic abaixo de 8%, como era a percepção crescente do mercado.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados: Ainda não deverá ser na reunião de Maio que teremos uma mudança drástica. Se Temer cair, teremos que ver a força reformista do próximo presidente. Um nome como Tasso Jereissati, por exemplo, teria esse papel de continuidade com uma equipe econômica igualmente boa. Atrasaria a reforma, mas não a impediria de acontecer, mesmo que ela tenha que ser modificada ainda. Infelizmente, isso tudo coloca mais pressão sobre o Presidente da República em 2019. Ele terá que iniciar o governo mexendo novamente na Previdência.

Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos:  O atraso na aprovação das reformas deve causar uma percepção de risco maior para a economia e consequentemente uma depreciação maior do câmbio. Impossível estimar quando o freio será acionado, mas podemos afirmar que ele está muito correlacionado com o impacto da depreciação do câmbio nas expectativas de inflação, não só curtas, como de médio prazo também.

Thais Marzola Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados: (A possibilidade real de atraso na aprovação das reformas previdenciária e trabalhista) pode reduzir o tamanho total do ciclo, ficando o ponto final mais perto de 9% do que de 8%.

Tony Volpon, economista-chefe do UBS: (A possibilidade real de atraso na aprovação das reformas previdenciária e trabalhista) provavelmente não freia a queda da Selic nesta reunião de Maio, mas sim no encontro seguinte onde haveria o risco de uma pausa.