Fôlego que vem de fora.

 

BC Americano não mexe nos juros. Para analistas, Brasil ganha mais tempo para “arrumar a casa”

Marcello Corrrêa | marcelo.correa@oglobo.com.br

Daiane Costa | daiane.costa@oglobo.com.br

RIO E SÃO PAULO O Brasil que temeu os efeitos da alta de juros americanos em dezembro passado não é o mesmo que verá, provavelmente, a taxa subir de novo, exatamente um ano depois. O comunicado divulgado ontem pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), informando a manutenção da taxa, atualmente entre 0,25% e 0,50% ao ano, confirmou as expectativas do mercado e reforçou a aposta de um aperto monetário na reunião de dezembro, assim como ocorreu em 2015. Mas, agora, analistas consideram que o país está menos exposto a turbulências: além de a alta do juro americano já estar nas contas do mercado, a perspectiva de reformas e da adoção de um teto para os gastos públicos melhorou o humor dos investidores estrangeiros em relação à economia brasileira.

Isso pode ser visto, por exemplo, pelo risco-país, medido pelo Credit Default Swap (CDS). No fim de dezembro do ano passado, quando o Fed elevou os juros pela primeira vez desde a crise financeira global de 2008, ele estava em 494 pontos centesimais. Na última terça-feira, era de 281 pontos. Outro sinal da maior confiança dos investidores é a pontuação do Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, que hoje está acima dos 63 mil pontos, contra 45 mil pontos em dezembro de 2015. Tudo indica que o risco de fuga de capitais é menor.

— Em dezembro do ano passado, estávamos no auge das turbulências internas. Naquele momento, a situação doméstica, do ponto de vista econômico, era bastante suscetível a impactos externos — avalia o economista Silvio Campos, da Tendências Consultoria.

Juros maiores nos Estados Unidos tendem a atrair mais investidores — já que o país é considerado de risco zero —, que retirariam recursos de mercados emergentes, como o Brasil, onde as taxas são maiores, mas o risco, também.

POSSÍVEL RISCO DE BOLHAS

O mercado de trabalho é um dos principais fatores considerados pelos membros do Fed para decidir o momento do aperto monetário. No comunicado divulgado ontem ao fim do encontro — o último antes das eleições presidenciais dos EUA, na próxima terça-feira —, a autoridade monetária americana destacou que o crescimento dos empregos é sólido no país. Além disso, frisou a confiança no avanço da inflação para a meta, de 2%. “O comitê considera que os argumentos para uma elevação da taxa se fortaleceram, mas decidiu, por ora, esperar mais evidências de que avançará até seus objetivos”, disse no comunicado. Para analistas, isso sugere aumento do juro na reunião do Fed marcada para 13 e 14 de dezembro. Dos dez membros do colegiado, dois eram favoráveis a elevar os juros.

Após a decisão, os investidores ajustaram as suas apostas. A expectativa é que a taxa suba para entre 0,50% e 0,75%, mas as probabilidades caíram de 68,4%, na terça-feira, para 66,8%, ontem, segundo acompanhamento feito pelo CME Group e que leva em conta as negociações de contratos de juros futuros. Apelidado de FedWatch, o indicador mostra também que, na visão do mercado, após a alta em dezembro, o juro deverá ficar estável na maior parte de 2017.

Para Monica de Bolle, economista e professora da universidade americana Johns Hopkins, o Fed agiu com cautela:

— Os indicadores mais recentes, de mercado de trabalho, inflação e contas nacionais, têm dado condições de o juro voltar a subir. A decisão de hoje (ontem) teve motivação política, de não fazer nada antes das eleições presidenciais.

Na avaliação do chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre-FGV e ex-diretor do Banco Central José Júlio Senna, se em dezembro houver aumento, este pode não se dever apenas a variáveis macroeconômicas:

— Esse movimento para cima pode ocorrer porque parece haver um desconforto enorme com a manutenção, por tanto tempo, de juros tão baixos, pois isso pode dar espaço para a formação de bolhas nos preços de ativos, como aconteceu em 2008 e 2009, e provoca alocação ineficiente de recursos na economia.

A última alta de juros nos EUA foi anunciada em 16 de dezembro de 2015, data emblemática para o Brasil. Naquele dia, o país perdeu o grau de investimento pela agência de classificação de risco Fitch, a segunda a retirar o selo — a Standard & Poor’s havia feito o mesmo três meses antes. A decisão era sintoma de um cenário em que investidores viam poucas possibilidades de melhora. A taxa de câmbio, naquele dia, fechou em R$ 3,921, com rumores da saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda, que acabaram se confirmando. Já na última terça-feira, o dólar foi cotado a R$ 3,241.

— Claro que o quadro fiscal continua crítico. Mas, pelo menos, o que se tem agora é uma mudança bastante contundente da política econômica, então isso naturalmente sugere aos investidores que o Brasil está fazendo sua lição de casa gradualmente. Isso permite que o país possa segurar de forma mais amena impactos vindo de fora, mas não significa imunidade — ressalta Campos, da Tendências.

Para Jason Vieira, economista da Infinity, a previsibilidade do mercado com a economia brasileira melhorou com a nova equipe econômica. E isso fará diferença na decisão do investidor, afirma:

— Um déficit de R$ 170 bilhões é muito mais realista do que um de R$ 50 bilhões que não ia ser cumprido. O mercado tem a teoria do “não me engane”. Quando se coloca uma meta mais realista, tem-se a sensação de que pode ser que seja melhor.

’MAIOR RISCO É VITÓRIA DE TRUMP’

André Leite, economista da TAG Investimentos, avalia, ainda, que a expectativa é de um aperto monetário moderado, que normalizará a taxa de juros americana em um patamar mais baixo do que o anterior à crise. As projeções para a chamada taxa terminal — ou seja, aquela que será praticada quando o Fed terminar o ciclo de normalização — ficará em torno de 2% a 3%, em vez de 4% a 5%. A seu ver, isso fez a política monetária perder espaço, no radar de preocupações dos analistas, para os efeitos das eleições americanas.

— O mercado está até bem pouco preocupado com a questão de taxa de juros. Espera-se mais um aumento em dezembro e, ano que vem, mais um ou dois aumentos. Será um movimento mais lento e de intensidade menor. Para mercados emergentes que fizeram o dever de casa, será menos dramático. O mercado está muito mais preocupado com as eleições americanas, não só pelo fato de (Donald) Trump ter reagido nas pesquisas, mas porque são eleições que vão trazer muitas modificações na parte fiscal, independentemente de quem vencer — diz Leite.

Para Monica, uma possível vitória de Trump é hoje o único fator externo que deveria preocupar o Brasil:

— Uma decisão do Fed tem efeito passageiro nos mercados. Momentaneamente enfraqueceria o real, causaria uma quedinha na Bolsa. Mas nada que seja duradouro. O maior risco e o fator desarticulação dos mercados seria uma vitória de Trump.

Senna, que é cético quanto a uma alta de juros em dezembro, ressalta, porém, que uma trajetória de alta do Fed pode comprometer a retomada da economia brasileira:

— O Fed parece não ter pressa de elevar os juros, até porque o ambiente macro não pede essa elevação. Mas, se implementar vários aumentos, o dólar se fortalece lá fora e aqui no Brasil, pressionando a inflação e, consequentemente, comprometendo nossa trajetória de queda de juros. E a recuperação da economia brasileira depende muito dessa redução pelo BC. Enquanto o Fed protela esse aumento, podemos continuar cuidando da nossa casa.