Flexibilidade faz investimento em previdência disparar
Por Rejane Aguiar | Para o Valor, de São Paulo
24/03/2017 às 05h00
Nenhuma categoria do private banking cresceu tanto nos últimos anos quanto os fundos de previdência privada. Em 2010, a alocação nesse tipo de ativo somava R$ 11,9 bilhões, montante que saltou para R$ 75,25 bilhões em 2016, segundo o último balanço da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Trata-se de uma expansão de 507%. No fim de 2016, a previdência privada respondia por 9,1% da indústria, já se aproximando da renda variável (12,6%).
Desde o início da década ocorre uma verdadeira revolução na percepção em relação aos fundos abertos de previdência. Eles deixaram de ser vistos como um produto amarrado à complementação da aposentadoria oficial. A mudança foi importante porque os clientes private já têm recursos suficientes para se manter depois que param de trabalhar, o que reduzia o apelo da previdência privada no segmento.
Esse apelo, por outro lado, foi reforçado pela flexibilidade do produto, que pode ser usado como ferramenta de sucessão e como peça importante nas estratégias de formação de carteiras ou de planejamento tributário. Muitos dos que trabalham com gestão de patrimônio dizem que a nova percepção pode estar relacionada à qualificação dos profissionais de investimento – mais preparados, inclusive com rigorosas certificações, eles hoje enxergaram várias possibilidades de uso da previdência privada.
Os clientes private em geral preferem o sigilo, mas é possível montar um caso hipotético de uso da previdência privada com base no que mais acontece nas gestoras. Um patriarca do setor do agronegócio, por exemplo, tem a maior parte de seu patrimônio imobilizado, alocado em propriedades e equipamentos, e uma pequena parcela em fundos e ativos de renda fixa.
Na transmissão para os filhos, com o falecimento do pai, os ativos ficarão presos ao inventário – os herdeiros não poderão mexer em nada até que o processo seja concluído (é preciso lembrar que, nesse período, todas as despesas vinculadas ao patrimônio continuam correndo).
E, dependendo do Estado, incorrerá uma alíquota de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
No entanto, se o patriarca destinar uma fatia do patrimônio a um VGBL, os beneficiários terão acesso muito rápido aos recursos correspondentes e, em alguns Estados – como São Paulo – por enquanto não pagarão ITCMD sobre o valor.
“Quando os clientes se deram conta de que o VGBL dá a liquidez de que a família precisa depois do falecimento do titular o uso da previdência privada na gestão de patrimônio entrou definitivamente em pauta”, destaca a diretora da seguradora Mapfre Maristela Gorayb.
Esse patriarca pode contratar vários planos de previdência para diversificação, contando com mais uma vantagem do produto: a portabilidade. Quando um fundo não atender de forma adequada a estratégia traçada pelo gestor do patrimônio, ele pode transferir os recursos para outro fundo que julgar melhor para aquele momento.
Ao contrário dos fundos de investimento tradicionais, os de previdência não têm o chamado “come-cotas”, mecanismo que acaba roubando parte da rentabilidade do aplicador. “A ausência do ‘come-cotas’ corresponde a um prêmio adicional do investimento”, diz Luiz Nazareth, portfólio manager da Azimut Wealth Management, informando que hoje na gestora cada cliente tem entre três e quatro produtos de previdência.
À parte os fatores estruturais – sucessão, gestão do patrimônio e planejamento tributário -, a expansão da previdência aberta no private também é decorrente da conjuntura. Márcia Scaramela, sócia da TAG Investimentos, observa que a escassez de outros produtos de investimento tem engordado a fatia da previdência. “Muitas LCIs e LCAs [letras bancárias vinculadas ao setor imobiliário e ao agronegócio, respectivamente] venceram bem no momento em que a oferta desses papéis diminuiu drasticamente. Assim, muito clientes viram na previdência uma boa opção de substituição.”
Os números comprovam a expansão da previdência aberta no private, mas isso não significa que o mercado não enfrente desafios, comenta o consultor financeiro da Infinity Celso Fujioka. “Na minha opinião, previdência privada é diferente de investimento financeiro e é preciso cuidado para evitar que os clientes comprem um fundo de previdência pensando se tratar de um fundo tradicional”, ressalva, acrescentando que a elevada concentração dos fundos de previdência aberta nos bancos é outro desafio para o amadurecimento do mercado.