Empresas brasileiras voltam a emitir dívida no exterior, e volume chega a US$ 16 bi no ano

Companhias como BRF e Vale estão entre as que venderam títulos nos últimos meses

por João Sorima Neto – 24/09/2016 14:39

SÃO PAULO – A BRF, gigante brasileira do setor de alimentos, fechou, na quinta-feira, uma captação de US$ 500 milhões no mercado externo, com a emissão de títulos com prazo de 10 anos. A demanda pelos papéis foi cinco vezes maior que a oferta, chegando a US$ 2,5 bilhões, e os juros oferecidos aos investidores ficaram em 4,35% ao ano. Para fazer a emissão, a empresa esperou a decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), anunciada quarta-feira, de manter a taxa de juro entre 0,25% e 0,50% ao ano — uma dos menores da história. Para os especialistas, o interesse pelos papéis da BRF apenas confirma que o mercado externo voltou a se abrir para as empresas brasileiras.

Este ano, as emissões de dívida de companhias nacionais no exterior, incluindo a operação da BRF, já somam US$ 16 bilhões, o dobro dos US$ 8 bilhões registrados em 2015. Se consideradas as duas emissões feitas pelo Tesouro Nacional, o total captado lá fora atinge US$ 19 bilhões este ano. De acordo com analistas, as emissões vão subir um pouco mais até o fim do ano, mas ainda ficarão abaixo das médias anuais registradas até 2014, que oscilavam entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões. Mas, se a economia brasileira recuperar fôlego em 2017, a expectativa dos economistas é que o patamar histórico de captações externas seja retomado.

— Houve um período longo sem emissões (de setembro de 2015 a maio deste ano), que foram retomadas após uma melhora de sentimento em relação ao Brasil. A remoção da incerteza política ajudou, embora ainda permaneça a incerteza econômica — explica Cristina Schulman, superintendente de mercado de capitais do Santander.


DEMANDA SUPERA OFERTA

Entre as empresas que captaram recursos no exterior, estão companhias acostumadas a recorrer a essa fonte de financiamento, como Petrobras, Cosan, Suzano, Marfrig e Vale. Foram pelo menos 11 operações, e, em alguns casos, a demanda superou em muito a oferta. Na emissão da Marfrig, por exemplo, que somou US$ 750 milhões, a demanda chegou a US$ 2,5 bilhões.

José Eduardo Laloni, diretor de mercado de capitais da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), observa que, além das companhias tradicionais, há um movimento de novas empresas de olho nos recursos do exterior. É um movimento tímido, diz, mas revela uma alternativa de financiamento ao crédito escasso e caro no Brasil. Segundo ele, já há empresas em road show no exterior, e outras devem iniciar em breve:

— O ambiente externo continuará favorável, com juros baixos na Europa e nos EUA. E, no cenário doméstico, as notícias também são mais positivas.

Em países como Suécia, Suíça, Dinamarca, Japão e, mais recentemente, Alemanha, os juros estão negativos. Com isso, os investidores se voltam para mercados emergentes, dando preferência aos que são “mais fáceis de entender” e que ofereçam ganhos atraentes. Assim, o Brasil leva vantagem sobre nações da Ásia e do Leste da Europa, observa Schulman, do Santander.

Laloni, da Anbima, lembra que as companhias que já voltaram ao mercado têm o chamado “hedge natural”, ou seja, parte de suas receitas é em dólar, o que as protege de oscilações bruscas do câmbio.

— O câmbio é sempre um ponto de atenção para empresas que emitem papéis em dólar. E as que foram ao mercado externo, este ano, têm um componente dolarizado, o que elimina surpresas — afirma Laloni.

CUSTO DE CAPTAÇÕE DEVE CAIR

O estrangulamento do caixa decorrente da recessão doméstica, a deterioração das finanças e o crédito restrito levaram as empresas brasileiras a aproveitarem a janela de oportunidade no mercado externo, explica Adeodato Volpi Netto, chefe de mercado de capitais da Eleven Financial. O custo dessas captações, lembra ele, subiu desde 2014 em decorrência da retirada do grau de investimento do país pelas agências de classificação de risco:

— Chegamos a fazer captações com juros de 4,5% ao ano, antes da perda do rating do país. Essas companhias, especialmente a Petrobras, têm seus ratings atrelados ao risco soberano do país — explica Volpi Netto.

Nas captações feitas em 2016, os juros variaram entre 5,87% ao ano (caso da Vale) e 9% ao ano (Petrobras).

Mais recentemente, entretanto, diz Roberto Dib, responsável pela área de produtos estruturados da Tag Investimentos, a tendência é que algumas empresas já consigam captar pelas mesmas taxas de juros de quando o país tinha grau de investimento. Este foi o caso da BRF.

— Algumas companhias já fizeram a lição de casa, cortando custos, enxugando suas operações e se reestruturando, o que as beneficia com taxas mais baixas — ressalta Dib.

Por enquanto, as empresas que estão indo ao mercado externo são aquelas que querem melhorar o perfil de sua dívida. Os juros pagos pela Petrobras (entre 7,87% e 9% ao ano) nas captações deste ano são os maiores da série e, segundo analistas, mostram a fragilidade das finanças da empresa no momento da emissão.

— Mas o quadro hoje para a Petrobras já é diferente. A nova diretoria da empresa montou um plano exequível de venda de ativos e de evolução da saúde financeira, que tende a baratear as próximas captações — diz Volpi Netto.

Dib, da Tag, observa que os recursos captados lá fora ainda não são destinados para investimento, já que há muita ociosidade por conta da recessão.