Detalhes da Previdência animam, mas investidores evitam euforia

Por Juliana Machado, Lucas Hirata e Daniela Meibak | Para Valor, de São Paulo

Os primeiros detalhes da proposta do governo para a reforma da Previdência animaram os investidores. O Ibovespa atingiu os 98 mil pontos e o dólar futuro se firmou em queda assim que as decisões sobre a idade mínima para a aposentadoria e o tempo de transição para o novo regime chegaram às mesas de operação.

Foi a entrada de um forte fluxo comprador, bem no fim do dia, que garantiu o salto do Ibovespa. O índice fechou em alta de 2,27%, aos 98.015 pontos, perto da pontuação máxima do dia, de 98.019 pontos. Logo que a informação saiu, o índice subiu cerca de mil pontos, abandonando toda a apreensão que prevaleceu pela manhã – o Ibovespa chegou a tocar 94.915 pontos na mínima do dia.

Tamanha foi a animação que o volume de negócios aumentou significativamente na reta final do pregão, encerrando em R$ 14,3 bilhões na bolsa. Praticamente todas as ações de maior peso e liquidez na bolsa viraram para o azul e passaram a subir, com destaque para os bancos Bradesco (alta de 3,40% na ação ordinária e de 3,81% na preferencial) e Itaú Unibanco, com avanço de 2,66%. A Petrobras também marcou presença: o papel ordinário subiu 2,09% e o preferencial, 3,45%.

Em outro sinal claro do bom humor dos investidores, o contrato futuro de dólar para março intensificou a queda e fechou em baixa de 0,84%, aos R$ 3,7227. Para se ter ideia da magnitude do alívio, a cotação se aproximou de R$ 3,80 no começo do dia. Já o juro longo – medido pelo DI para janeiro de 2025 – caiu para 8,59%, de 8,72% no fechamento anterior.

Gestores e estrategistas reconhecem que a proposta ainda será bastante modificada até sua aprovação. No entanto, as características iniciais dão margem para ajustes e sinalizam o esforço do governo para garantir uma reforma robusta, além de tirar dúvidas relevantes que vinham pesando no desempenho dos ativos brasileiros. “A mensagem do governo foi melhor que a esperada. Não é à toa que os mercados melhoraram”, diz Marcelo Giufrida, sócio e gestor da Garde.

A idade mínima para aposentadoria foi definida em 65 anos para homens e 62 para mulheres, enquanto o tempo de transição será de 12 anos. A reforma já tem data para chegar no Congresso: a próxima quinta-feira, dia 20.

O mercado temia que prevalecesse a leitura anterior indicada por Bolsonaro, de 57 anos para mulheres e 62 para homens, diz Filipe Villegas, analista da Genial Investimentos. Além disso, ao definir uma data para o envio da pauta aos parlamentares, tira-se da frente uma importante dúvida, que é o “timing” da aprovação.

“Isso deixou o mercado mais sensível e errático, como vimos até agora”, diz Villegas. “Mas [o ministro da Economia] Paulo Guedes convenceu o presidente da definição da idade um pouco acima do que havia sido ventilado antes.”

Ainda faltam detalhes para calcular o impacto da proposta do governo para a Previdência, mas ao que tudo indica Guedes e companhia conseguirão emplacar uma reforma robusta, afirma Dan Kawa, estrategista e sócio da TAG Investimentos. “O jogo começa só agora e está dentro do cronograma”, acrescenta, em nota.

A apresentação da proposta é só uma das etapas de todo o processo, que ainda promete volatilidade no mercado. O dólar comercial fechou antes do anúncio, com queda de 0,28%, aos R$ 3,7408. Mas, durante a manhã, a moeda ficou bem perto de R$ 3,80.

“Entramos num período de mais sensibilidade ao noticiário e de aumento do nervosismo, que gera volatilidade no mercado. Mas, até agora, não se acreditou em nenhum momento que o desfecho seria diferente da aprovação da reforma. O caminho pode ser tortuoso, mas a aposta é de um bom desfecho”, diz Roberto Campos, sócio e gestor da Absolute Investimentos.

Até por isso, os investidores estrangeiros ainda podem demorar um pouco mais para entrar em peso no mercado local. “A cada passo, o estrangeiro ficará mais confiante e passará a investir mais”, diz Giufrida, da Garde. No entanto, só “um pouco” desse fluxo deve ser destravado agora.

Os fundos locais lideraram o otimismo com a bolsa até agora, mas os investidores ainda devem ponderar a última barreira sobre a reforma: a aprovação no Congresso. Os estrangeiros, nesse contexto, não necessariamente devem elevar tanto a confiança. “O estrangeiro perdeu o rali da bolsa recentemente e os preços não estão abaixo da média, estão acima. Não está na barganha”, afirma Frederico Sampaio, gestor de renda variável da Franklin Templeton.

Segundo Sampaio, os receios sobre a reforma da Previdência são muito mais políticos e mesmo os fundos locais têm dificuldade de compreender os meandros da pauta. Isso significa que, até que se assine a aprovação, o receio não vai se dissipar tão facilmente.

“O mercado acredita que haverá reforma, isso está claro, mas toda essa incerteza é algo difícil de avaliar”, diz o gestor. “O estrangeiro tem uma certa aversão a ficar desapontado, então apenas uma vez aprovada [a pauta] é que conseguiremos olhar para o horizonte no que diz respeito à economia brasileira.”