Com os pés no chão
Por Luciana Del Caro | Para Valor, de São Paulo.
Um otimismo que há muito não se via se espalhou entre gestores de recursos e profissionais que lidam com investimentos. Animados pelas promessas de condução da economia de acordo com preceitos liberais, pela expectativa de aprovação da reforma da Previdência e pelos juros baixos, eles são unânimes em recomendar aos investidores que aumentem o percentual de suas carteiras destinado às aplicações de risco, mas com os pés no chão – respeitando os próprios perfis e os prazos para usos dos recursos e buscando a diversificação.
A leitura preponderante no mercado é de um cenário binário: ou dá tudo certo na condução da economia, ou dá tudo errado. “O cenário é binário, o que não quer dizer que as probabilidades sejam de 50% para cada lado. Acredito há 90% de chances de acerto e 10% de erro”, afirma Walter Maciel Neto, CEO da gestora AZ Quest. Ele considera o momento propício para as aplicações de mais risco. Para os investidores que preferem esperar até que as expectativas positivas se transformem em fatos – como têm feito os estrangeiros -, ele avisa: “Se o cenário positivo se materializar, eles entrarão no mercado pagando preços mais elevados pelos ativos”.
O foco dos especialistas, nesse momento, está no acompanhamento da reforma da Previdência, essencial para controlar a trajetória de alta da dívida pública. “A reforma, mesmo que não seja a dos sonhos, pode ser um divisor de águas e prorrogar o otimismo”, afirma Rogério Pessoa, sócio responsável pela área de gestão de fortunas do BTG Pactual. Encaminhado o grande problema econômico de curto prazo do país (a crescente dívida pública), o governo poderia tentar resolver questões que afetam o nosso crescimento.
Nesse contexto, os ativos de mais risco tenderiam a se valorizar: “Ainda há boas perspectivas para a bolsa e para os juros de longo prazo, como as NTN-Bs com vencimentos em 2025, 2035 e 2050”, diz José Alberto Tovar, sócio da Truxt Investimentos.
Na Tag Investimentos, o entendimento é que as ações são a classe de ativos que mais deve se beneficiar. “Apesar das altas da bolsa, o mercado ainda não precifica totalmente o cenário positivo”, afirma o estrategista Dan Kawa. Para ele, o lucro das companhias com papéis na B3 deve aumentar 25%, na média, ao longo deste ano, o que abre espaço para novas valorizações. O Índice Bovespa (Ibovespa), que está perto de chegar a 100 mil pontos, pode ir para 115 mil pontos caso a reforma da Previdência seja aprovada, acredita.
A Tag aumentou o peso das ações na carteira recomendada para os clientes de perfil moderado de 15%, na média, para 25%. O mesmo vale para o crédito privado: sua parcela, que era de 10%, hoje tem o alvo de 30% da carteira desse perfil. Em contrapartida, o peso dos multimercados, que já chegou a ser de 50%, foi reduzido para 25%.
No Santander, recomendações semelhantes vieram em dezembro. “Respeitando os perfis de risco de cada cliente a necessidade de diversificação, aumentamos as recomendações de multimercados e renda variável”, diz o diretor de investimentos, Gilberto Abreu. Os investidores de perfil “arrojado” e “agressivo” tiveram sugestão de incremento de risco da ordem de 11%, enquanto os “conservadores”, “moderados” e “balanceados”, de 2%, 6% e 7%, respectivamente.
Os pesos da renda variável e dos multimercados na carteira de um “moderado”, por exemplo, passaram de 2% para 4% e de 15% para 19%. A mudança decorre da necessidade de buscar rendimentos adicionais: “Os juros devem continuar baixos pelo menos até o fim deste ano, dado que a inflação está baixa e sob controle”, diz Abreu.
Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos, diz que outro fator que pode beneficiar a bolsa é o ingresso de recursos de estrangeiros: “Fluxo também faz preço”. Hoje, os fundos de ações representam apenas 6,9% dos cerca de R$ 4,6 trilhões da indústria de fundos de investimento. Mas essa participação já foi de 12% nos anos 2000.
A Icatu Vanguarda vem notando uma paulatina migração para os fundos de ações – cujo patrimônio dobrou de 2018 para cá, somando R$ 1 bilhão (ou cerca 5% do total sob gestão, que é de R$ 21 bilhões). Bruno Horovitz, diretor de relações com investidores, conta que a gestora deve lançar produtos com o propósito de ser a porta de entrada dos clientes conservadores (que hoje só aplicam na renda fixa) no mundo dos produtos de mais risco e potencial de retorno.
Até o fim desse trimestre, a gestora pretende lançar para o varejo, via plataformas, fundos de perfis de investimento (que fazem “asset allocation”, ou alocam percentuais pré-definidos em várias classes de ativos) e fundos data-alvo.
Embora a recomendação de todos os gestores seja para tomar mais risco, essa migração deve ser feita de forma prudente, considera Carlos Eduardo Eichhorn, diretor de gestão da Mapfre Investimentos: “O investidor deve aplicar em fundos de ações e multimercados apenas a parcela de recursos que não será usada em até um ano”.
Isso porque, se as evidências forem minando o otimismo, pode haver o movimento oposto, de aversão ao risco, desvalorizando mais justamente esses produtos. No cenário em que tudo dá errado, o governo não consegue aprovar uma reforma efetiva, a trajetória da dívida pública continua em alta, há perda de confiança, valorização do dólar e repasse do câmbio para os preços, com possível elevação dos juros. Há, ainda, a preocupação com o cenário externo, que é de redução do crescimento econômico americano, europeu e chinês.
Para Rafael Mazzer, “portfolio manager” da área de gestão de fortunas do BTG Pactual, salvo algum evento negativo de grandes proporções, o mercado terá tempo para reverter as posições otimistas sem grandes prejuízos, pois os gestores vão monitorar o andamento da reforma e poderão sair dos ativos de risco se o cenário se deteriorar. É esperado que até a metade do ano a reforma esteja encaminhada no Congresso.
Outra ponderação dos especialistas é que os investidores que caminharem para o risco devem estar cientes do vaivém das cotações: “A volatilidade estará presente ao longo do ano todo e acompanhará o andamento da reforma da Previdência”, diz Sandra Blanco, consultora de investimentos da Órama.
Neste mês, foi aumentado em dez pontos percentuais o peso da renda variável nas carteiras recomendadas pela Órama, para 20% a 40% da carteira. Já a participação recomendada para a renda fixa foi reduzida também em dez pontos (de 30% a 50% da carteira), e a de investimentos diferenciados (multimercados, fundos imobiliários, COEs) ficou estável (de 30% a 50%).