12/06/2020 às 05h01

Cenário de Selic a 2,25% ganha força no mercado

Analistas avaliam limites para o afrouxamento monetário

Por Lucas Hirata e Victor Rezende | Para o Valor de São Paulo

Em um ambiente de inflação cada vez mais baixa e relativo alívio das condições financeiras, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deve ter espaço para cumprir o roteiro desenhado há cerca de um mês e aplicar uma nova redução de 0,75 ponto percentual da taxa básica de juros, a Selic. Apesar de uma série de incertezas no radar, economistas e analistas consultados pelo Valor avaliam, de maneira quase unânime, que o colegiado levará a Selic de 3% para 2,25% na decisão da próxima quarta-feira, repetindo a magnitude do corte feito em maio, quando surpreendeu parte do mercado pela postura mais agressiva.

Em pesquisa com 83 instituições financeiras e consultorias, apenas 5 casas veem um corte mais conservador, de 0,50 ponto, e somente uma projeta baixa mais ousada, de 1 ponto percentual. Todas as outras estimam redução de 0,75 ponto percentual. Para o fim do ano, 57 participantes veem manutenção da taxa Selic, enquanto 26 projetam reduções adicionais – em nível igual ou inferior a 2%.

Desta vez, a expectativa é que o Copom até indique uma pausa no processo de afrouxamento, mas mantenha as portas abertas para adotar medidas adicionais no futuro. Vale dizer que ainda há grande discussão no mercado – e dentro do colegiado – sobre o limite da política monetária, ou seja, até que ponto a Selic poderia cair sem gerar efeitos contraproducentes. Logo, os agentes afirmam que o Copom poderia ser bastante cauteloso daqui para a frente em testar níveis muito mais baixos da taxa básica, ainda que alguns economistas vejam espaço para a Selic cair abaixo de 2%.

Para o diretor de pesquisa econômica do ASA Bank, Carlos Kawall, o cenário mais provável é que o Banco Central não sinalize o encerramento do ciclo de cortes, mas que “eleve a barra” para fazer reduções adicionais, que seriam, provavelmente, de 0,25 ponto percentual por vez. “Isso dependeria das condições financeiras e estas, por sua vez, de um cenário global e, principalmente, dos riscos para as reformas e para a trajetória fiscal.”

Kawall trabalha com cenário de Selic a 1% no fim de 2020, projeção mais ousada que boa parte dos analistas. “Acreditamos em uma Selic terminal muito baixa em decorrência da retomada da atividade lenta e risco de desancoragem, para baixo, das expectativas inflacionárias”, diz.

Ao longo das últimas semanas, o alívio relativo no câmbio – com o dólar saindo de quase R$ 6 para menos de R$ 5 -, a recuperação de outros mercados e evidências da baixa inflação no Brasil fortaleceram a expectativa sobre o tamanho do corte da Selic agora em junho, com chances de novos ajustes. Ainda assim, os riscos de um descontrole fiscal, eventuais ruídos políticos e os temores com novas ondas de contágio da covid-19 pelo mundo mantêm bastante cautela no cenário.

Entre as casas com cenários mais agressivos está a Persevera Asset, que vê a Selic próxima de zero no fim do ano. “O Brasil está entrando em uma assustadora depressão econômica. Nessas situações, assim como o Fed indicou, o BC não deveria ‘poupar munição’ e, sim, usar tudo o que tem para tentar ao máximo evitar que a situação se perpetue”, afirma Guilherme Abbud, sócio fundador e diretor de investimentos da gestora.

Por outro lado, em um momento de grande incerteza, existem dúvidas sobre a trajetória da inflação nos próximos anos. Nos modelos do Sicredi, por exemplo, uma taxa de juros mais próxima de 1,5% demandaria uma elevação mais brusca da Selic em 2021, visando cumprir a meta de inflação mais baixa de 2022. Logo, o economista-chefe da instituição, Pedro Lutz Ramos, afirma que o BC pode até sinalizar a possibilidade de novos movimentos, mas não deve testar a Selic abaixo de 1,75% em 2020 por causa de fundamentos tradicionais da política monetária.

Na última decisão do Copom, em maio, o colegiado informou que considerava agora em junho “um último ajuste”, não maior do que o daquela ocasião, de 0,75 ponto percentual, para complementar o grau de estímulo necessário como reação às consequências da pandemia. Na época, também foi revelada a discussão sobre os limites da política monetária, com alguns dirigentes defendendo que essa fronteira ainda estaria distante e outros adotando postura mais cautelosa – debate que também ocorre no mercado.

O economista-chefe da Gauss Capital, Guilherme Attuy, avalia que o juro local precisaria, ao menos, pagar um prêmio de risco sobre a remuneração de um título de fora do país. “Com o juro nos principais países desenvolvidos próximo de zero, nosso limite de juro passa a depender do quanto se demanda de prêmio”, diz. O CDS de um ano indica algo perto de 1%, enquanto o cupom cambial – juros em dólares – sugere algo próximo de 1,5%. “Como há grande incerteza sobre esse limite, entendemos que o BC deve levar a Selic até 2% ao longo deste ciclo.”

Alguns profissionais alertam que a questão não seria apenas a inflação de curto prazo, mas o fato de que um afrouxamento ainda mais agressivo poderia cruzar os limites da política monetária (“effective lower bound”) e trazer efeitos colaterais para o mercado, ainda mais em um momento de tantas incertezas no radar.

O sócio e economista da Kairós Capital, André Loes, destaca que o BC tem mandato de manutenção da inflação dentro de uma faixa estabelecida por meta, mas também de zelar pela estabilidade financeira. Logo, para ele, uma queda de juros mais agressiva olhando apenas para a inflação “provavelmente não compensa o maior risco do ponto de vista de estabilidade financeira, principalmente no mercado de câmbio”.

Chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre, José Júlio Senna afirma que o processo de redução da Selic gera preocupação tendo em vista que o Brasil vive um momento delicado do ponto de vista fiscal. “Uma taxa Selic entre 2,5% e 3% pareceria algo mais sensato para o Brasil na situação atual”, explica. “O BC tem obrigação de ser cauteloso. Não somos um país desenvolvido, temos de ter cuidado reforçado com o câmbio. Precisamos pensar nas expectativas de inflação lá na frente, não só no curto prazo.”