27/08/2019 às 05h00

Caça ao rendimento

Por Luciana Del Caro | Para o Valor de São Paulo

 Só que, nesse novo ambiente, os investidores têm reagido de forma diversa: enquanto alguns já migraram para aplicações de maior risco, outros ainda não tomaram decisões ou nem perceberam o quanto a situação irá impactá-los.

 “Os investidores ainda estão começando a acordar para o fato de que os juros vão mesmo ficar baixos. Eles estão angustiados porque acham que o dinheiro parou de render”, afirma Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos.

Para investidores que há relativamente pouco tempo ganhavam perto 1% ao mês sem dificuldade e sem abrir mão da liquidez, a situação requer uma boa dose de educação financeira e de reflexão sobre os caminhos para rentabilizar as aplicações. Vale lembrar que o atual ciclo de redução da meta da taxa Selic começou em outubro de 2016 e está perto do fim.

“Muitos dos investidores conservadores ainda buscam rentabilidade de 1% ao mês e há desconexão entre o perfil e a meta de retorno. Nosso papel é buscar um ponto de equilíbrio”, afirma Rafael Antunes, sócio da Inove Investimentos.

É que, atualmente, para obter um rendimento de 1% ao mês (que equivale a cerca de 200% do CDI), as alternativas trazem mais riscos do que no passado. Uma delas é investir num fundo multimercado de perfil agressivo, com alavancagem. Esses produtos perseguem metas de rendimento de 180% a 200% do CDI e costumam ter volatilidade (uma medida de risco) em torno de 7% ao ano. No entanto, especialistas não indicam esse tipo de fundo para quem precisa de recursos no curto prazo e/ou não suporta perdas.

Outra consequência dos juros baixos é seu impacto nos projetos de longo prazo, como a aposentadoria: “Há o risco de as aplicações não renderem o suficiente para que o investidor atinja seus objetivos”, diz Francisca, da TAG. Nesse novo ambiente, uma aplicação que renda 1% ao ano a mais do que outro representa muito no longo prazo: em vinte anos, isso resulta em patrimônio 25% maior lá na frente, segundo ela.

A migração para ativos de mais risco já se faz sentir entre o varejo de alta renda, afirma José Ramos Rocha Neto, diretor executivo do Bradesco. Em junho do ano passado, esses investidores aplicavam 37,4% e 4,5% dos seus recursos em fundos de renda fixa e ações, respectivamente. Em junho deste ano, as aplicações em renda fixa haviam caído para 36,1%, e as de ações subido para 6,6%, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima). “É importante que o investidor conte com o suporte de especialistas para fazer a migração para o risco”, avalia Rocha.

Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos, diz que, enquanto o investidor institucional – que já diversificava mais sua carteira do que a pessoa física – está aumentando a compra de ações, as pessoas físicas estão indo da renda fixa para os multimercados. Uma indicação da força dessa tendência, considera ele, é o fato inédito de os fundos multimercados de previdência estarem captando mais, neste ano, do que os de renda fixa da mesma categoria.

Mesmo com a preocupação recente sobre os riscos de uma recessão global, os especialistas seguem acreditando na manutenção de juros baixos no Brasil graças à inflação sob controle e a perspectiva de que continue assim devido à fraca atividade econômica. Outro ponto é que os juros vêm caindo no mundo todo. “O Brasil tem condições de manter os juros em patamares baixos”, afirma Caio Santos, sócio da Ibiúna Investimentos.

O mercado considera que o maior risco vem do cenário externo, com temores de que uma recessão global leve a novas reduções de juros no exterior, desvalorização do real, elevação da inflação e da Selic. Além disso, se houver nova queda na atividade econômica, a questão se torna mais crítica porque impacta nos indicadores da dívida pública. Mello, da SulAmérica, afirma que essa previsão não é a mais provável, mas não pode ser desprezada.

Ele considera que os investidores podem se preparar para viver no novo contexto de juros baixos por meio do conhecimento dos produtos, estratégias de investimento e do próprio perfil.

Para os conservadores, ele acredita que o melhor é começar diversificando por meio do crédito privado ou de fundos multimercados de baixa volatilidade. Investir na bolsa ou em fundos de ações só é indicado para aqueles com apetite ao risco, diz. A título de comparação, enquanto a volatilidade de um multimercado arrojado fica em torno de 7% ao ano, a da bolsa brasileira gira ao redor de 24% ao ano.

 “Os multimercados continuam sendo uma das melhores alternativas para os investidores que precisam ter mais risco em suas carteiras”, afirma Santos, da Ibiúna. Ele diz que esses fundos têm a vantagem de poder aplicar em várias classes de ativos, como juros, moedas estrangeiras e bolsa – e tanto na ponta comprada quanto na vendida, podendo se beneficiar de qualquer cenário de mercado.

Em termos de perspectivas para os ativos, os gestores consideram que no momento as ações, embora não indicadas para todos, são os que oferecem mais potencial de retorno: “A renda fixa já subiu muito este ano. Alguns títulos se valorizaram 50% e anteciparam vários anos de rendimento em apenas um. Nos preços atuais, nos sentimos mais confortáveis em carregar ações brasileiras, com proteções nas bolsas estrangeiras”, diz Luiz Eduardo Portella, sócio da Novus Capital.

Portella diz que a bolsa ainda pode se valorizar, mesmo que a economia esteja patinando e que haja menos espaço para novas quedas da Selic. Os juros baixos tornam mais baratas as dívidas das companhias (melhorando a rentabilidade das mesmas) e também atraem recursos para a bolsa. A previsão da Novus é que o Índice Bovespa (Ibovespa), que ultrapassou cem mil pontos e baixou desse patamar em meados de agosto, possa encerrar o ano em 115 mil pontos. Previsão semelhante à de outras casas: BNP Paribas Asset Management projeta o índice em 112 mil pontos.