08/11/2019 às 06h05

Bolsa substitui a renda fixa na carteira dos investidores

Em tempos de juros baixos, as ações são vistas pelos gestores como a nova opção para o longo prazo, no lugar dos papéis Tesouro IPCA+

Por Júlia Lewgoy e Adriana Cotias | Valor Investe e Valor – São Paulo

Se até pouco tempo atrás o investimento preferido dos investidores para ganhar dinheiro no longo prazo eram os títulos do Tesouro atrelados à inflação, a chave agora mudou. Em tempos de juros baixos, a bolsa tem sido considerada “a nova NTN-B” (Nota do Tesouro Nacional-série B) ou Tesouro IPCA+ por alguns gestores de recursos do país.

“Não consigo lembrar de um momento melhor para estar na bolsa do que o que estamos vivendo hoje”, afirmou Alexandre Silvério, CIO e responsável pela estratégia de renda variável da AZ Quest, em evento da Tag Investimentos.

Depois de o IMA-B5+ (que agrega as NTN-Bs com vencimento superior a cinco anos) ter subido 36,2% nos últimos 12 meses, em comparação a 22,6% do Ibovespa, ele e outros gestores recomendaram que os investidores aumentem a parcela em renda variável na carteira.

Segundo Silvério, o cenário atual reúne uma combinação inédita de juros baixos com perspectiva de crescimento do lucro das companhias. “As empresas fizeram seu dever de casa durante a crise, melhoraram suas margens e agora têm a oportunidade de ter dívidas a juros mais baratos”, disse. “E essa combinação ainda não está precificada.”

A crise trouxe efeitos positivos para as empresas da bolsa, que ainda vão trazer resultados melhores para os investidores, disse o sócio-diretor da Equitas Capital, Luis Felipe Teixeira. “As empresas se tornaram muito enxutas, cortaram custos e automatizaram processos. Vemos uma recuperação do crescimento econômico e também das empresas.”

Selic baixa veio e vai ficar

A queda de juros no mundo e a sinalização de que o ajuste fiscal no Brasil continuará após a reforma da Previdência reforçam a visão de que os juros baixos vieram para ficar e que a bolsa será a alternativa. Os gestores minimizaram o impacto de uma eventual desaceleração econômica global.

“As exportações e importações representam menos de 20% do PIB brasileiro e a bolsa brasileira não é dependente do PIB. As nuvens negras estão lá, mas não vão se transformar em tempestade”, disse Silvério.

Mesmo num painel dedicado a discutir se ainda há ganhos a extrair na renda fixa, o debate transbordou para a bolsa. “Nunca tivemos um momento em que a economia estivesse estável e o juro, baixo, e isso muda completamente o país. É uma mudança de paradigma”, afirmou Luiz Fernando Figueiredo, CEO da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central. Segundo ele, já passou o tempo em que era confortável investir em Tesouro IPCA+.

“Pode ser que ainda tenha algum espaço, mas o grosso já foi, o que nos faz repensar se deveríamos manter um volume enorme investido nesses papéis. Minha visão é que não”, afirmou. “As NTN-Bs de prazo mais longo ainda têm algum prêmio, mas não me parece que você possa ou deva colocar suas fichas nisso.”

Correr riscos é a alternativa que sobrou, segundo Figueiredo. Ele recomenda ativos relacionados à chamada “economia real”, como crédito privado, imóveis e ações.

A quem segue apegado à renda fixa, Eduardo de Carvalho Moreira, sócio-fundador da Pacífico, sugere fundos especializados e novos produtos, como os ETFs (fundos de índice negociados em bolsa), além de alongar os prazos dos títulos. “O mercado vai começar a se desenvolver a partir de agora”, disse.

Crédito privado

O recente estresse no mercado de crédito que desvalorizou as cotas de fundos com títulos com classificação “high grade” (de melhor classificação de risco) tende a ser um fenômeno passageiro.

Segundo Carlos Maggioli, sócio-fundador da Quasar, a depreciação ocorreu por um “efeito manada”, sem relação com uma eventual piora na qualidade dos emissores. Depois de muitos investidores colocarem crédito nas suas carteiras, a valorização obtida com a queda dos juros estimulou que embolsassem os lucros. Com as vendas, os gestores tiveram que atualizar os preços dos ativos, mas já há sinais de nova demanda.

“Tem tubarão na água”, disse Maggioli, referindo-se à sondagem de assets ligadas a grandes bancos. “Com fundos ‘stopando’ [zerando posições para estancar perdas], tem oportunidade e vai entrar tubarão comprando.”

O especialista comparou a dinâmica dos papéis de crédito a movimentos de vendas generalizadas na bolsa em eventos como o “Joesley Day”, o pregão após o vazamento da conversa do então presidente Michel Temer com o empresário Joesley Batista, em maio de 2017. “Dois, três meses depois foi sanado, o efeito manada no [crédito] high grade está trazendo spread. O primeiro que pegar, captura.”

Marcelo Urbano Dias, diretor da novata AUGME Capital, também classificou o movimento recente como meramente técnico, já que a qualidade das empresas e a estrutura de passivos até melhorou. “Fundo com D1, D5, D15 [de um a 15 dias para o resgate após o pedido do cotista] é uma opção barata para quem investe e de saída fácil para quem estava ganhando dinheiro.” A ressalva é que ainda não dá para saber quanto vai ter de resgate nessas carteiras.

Maggioli calcula que dos cerca de R$ 200 bilhões do mercado de debêntures “high grade”, tirando a posição que está nos “bancões” sobrem cerca de R$ 30 bilhões nas mãos das gestoras menores. “Se tiver R$ 10 bilhões de resgate, os grandes bancos compensam isso em um dia.”

Arturo Profili, diretor de gestão de crédito privado da Capitânia, disse que se todo mundo perdeu cerca de 10% era porque o prêmio não condizia com o risco da empresa, “estavam forçando a barra mesmo nas condições”.

Um dos pioneiros na gestão de crédito no país, o profissional salientou a evolução do segmento, com o aparecimento de mais de três dezenas de casas especializadas nos últimos anos. “Antes tinha R$ 5 bilhões, R$ 10 bilhões somados, hoje são quase R$ 100 bilhões. É um capital estrutural que complementa o crédito bancário e substitui o BNDES.”