14/04/2020 às 05h01

Com queda de ativos, teve milionário querendo migrar para a poupança

Trabalho dos gestores foi impedir a concretização de prejuízos permanentes

Por Adriana Cotias | Para o Valor de São Paulo

A desvalorização dos ativos em meio à pandemia de coronavírus foi tão traumática que um dos trabalhos dos gestores de fortunas tem sido evitar a fuga em massa para alternativas mais conservadoras e a concretização de prejuízos permanentes.

“Teve investidor querendo migrar para a poupança por causa dos efeitos da marcação a mercado [atualização de preços nas carteiras de renda fixa]. Não faz sentido, os mercados vão voltar”, diz Carolina Giovanella, sócia da Portofino Investimentos.

Com medo de perder a vida, trancados em casa e com prejuízos nos seus negócios e nos investimentos, ela cita que é natural que o emocional esteja abalado, mas o exercício que tem feito é trazer as famílias para o plano originalmente traçado. Se a proposta era ter 15% em ações, a queda de participação passiva por conta da desvalorização será aos poucos recomposta. “Eu tenho mais conforto em investir na bolsa a 69 mil pontos do que a 120 mil”, diz.

A preferência tem sido por alternativas de maior liquidez, como os fundos de índice (ETF) negociados na bolsa, mais baratos e cujo resgate se dá em dois dias, enquanto os bons fundos de ações têm prazo de 60 a 90 dias após o pedido de saque e cobram 2% de taxa de administração, cita Carolina.

A gestora diz que os investidores chegaram na crise enquadrados e que os mesmos que insistiam em aumentar a parcela em bolsa quando o índice estava nas máximas do ano agora querem correr para a renda fixa. O que a Portofino tem evitado, prossegue Carolina, é assumir risco de crédito, por mais que tenham aparecido barganhas no secundário. “Como não há visibilidade sobre o ‘lockdown’, não temos conforto para ficar expostos, mesmo com a abertura [aumento] das taxas”, afirma. “Uma empresa como Localiza, que tinha taxa de 110%, agora foi a 160%, 170% [do CDI], mas será que o ativo não vai pagar 200%?”, questiona.

A gestora diz ter feito uma limpeza nas carteiras ao longo do segundo semestre do ano passado, e que os investidores acabaram ficando principalmente com debêntures incentivadas, em operações pulverizadas de concessionárias de serviços públicos.

Enquanto no mercado acionário é preciso definir premissas como a taxa de juros usada para trazer o fluxo de caixa das empresas a valor presente, a fim de calcular o preço justo para as companhias listadas, no segmento de crédito há empresas pouco alavancadas e bancarizadas em que a discussão se resume à capacidade de pagamento, diz Sylvio Castro, do Credit Suisse.

“É mais simples aproveitar o estresse do mercado internacional e local para aumentar posições em ativos que achamos interessantes”, diz. “Com os resgates maciços em fundos de crédito, os gestores são obrigados a vender o que conseguem, e se desfazem dos melhores ativos. Há oportunidade de se comprar letra financeira de banco de primeira linha ou debêntures de boas empresas com taxas de curto e médio prazo interessantes.”

A Tag conseguiu se salvar do “banho de sangue” nos ativos de crédito “high grade”, de melhor qualidade, porque tinha zerado essas posições, segundo Dan Kawa, sócio da gestora. Ele diz que não via ali risco de solvência, mas de liquidez em fundos com travas curtas de resgate.

O que ele tem feito agora é buscar ativos “high yield”, de maior risco e potencial de retorno, localmente e no exterior. “O segmento precificou uma recessão mais rápida e aguda do que o mercado de ações. E a história mostra que esses níveis de spread costumam trazer retornos na casa de dois dígitos.”

Pela magnitude da crise, Kawa diz que é de se esperar uma onda de inadimplência e que na média do segmento está embutido um default acima de 30%. Vale agora selecionar os gestores de fundos com capacidade para identificar as empresas que vão superar este momento, mirando retornos na casa dos 10% ao ano. “É uma oportunidade única, como não se via desde 2008.”

Ele acrescenta que, como outros segmentos, o mercado de crédito ficou disfuncional, mas que com a atuação do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) voltou a ganhar funcionalidade e liquidez. No Brasil, o gestor diz preferir fundos novos, com passivo novo, que não tenham o mesmo descasamento que se viu entre os high grade.

A alta das taxas das Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B) deixou esses papéis em tese mais atrativos, com juro real na casa dos 4,6% para vencimentos a partir de 2035 no Tesouro Direto, mas a grande interrogação é o que vai acontecer do lado fiscal, diz Reinaldo Lacerda, sócio da Hieron. “Se piorar, e a tendência é que piore, as taxas vão subir ainda mais”, diz, referindo-se ao pacote do governo para salvaguardar famílias e empresas, com impactos nas contas públicas.