Empresas captam mais no mercado local com queda de custo

Por Silvia Rosa | Para o Valor, de São Paulo

A queda do custo de captação no mercado de renda fixa e a maior demanda dos investidores por papéis de crédito privado – resultado da queda da taxa Selic – têm levado as empresas brasileiras a buscar mais o mercado local e a aumentar o tamanho e o prazo das ofertas. O volume médio por operação, excluindo as emissões de instituições financeiras, praticamente dobrou nos quatro primeiros meses deste ano em comparação ao mesmo período de 2017, passando de R$ 161 milhões para R$ 319 milhões.

As emissões totais de títulos de crédito privado corporativo cresceram 54,8% no período, somando R$ 40,223 bilhões, segundo Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). E esse volume deve continuar aumentando. Só em debêntures, há mais de R$ 12 bilhões em operações em andamento.

As empresas também têm aproveitado o aumento da demanda por papéis de crédito privados para alongar o prazo das operações e elevar o volume captado. A Lojas Americanas, por exemplo, planejava levantar R$ 500 milhões em debêntures, mas, com a forte demanda pelos papéis, optou por aumentar o volume da oferta para R$ 1 bilhão.

O financiamento de operações de fusões e aquisições também deve ajudar a elevar o volume das ofertas. A Neoenergia aprovou a emissão de até R$ 5,5 bilhões em debêntures para financiar a possível compra da Eletropaulo

O prazo médio das emissões de debêntures no mercado local, que costumava girar entre 3 e 5 anos, aumentou para 6,3 anos nos primeiros quatro meses de 2018, segundo dados da Anbima. “De dezembro para cá temos visto redução de taxas e alongamento de prazos”, diz Daniel Vaz, chefe da área de mercado de dívida local do BTG Pactual.

A estreia de novos fundos de crédito privado, com os investidores buscando opções de maior retorno, tem sustentado a alta da demanda por esses ativos e contribuído para a queda do custo de captação. A Rio Paranapanema Energia conseguiu reduzir a taxa oferecida para um dos vencimentos da oferta de R$ 320 milhões em debêntures realizada neste ano. A empresa pretendia captar a uma taxa de 6% ao ano para o prazo de 2025, mas a operação acabou saindo com um custo menor, de 5,5% ao ano.

A remuneração média das debêntures, segundo a Anbima, recuou para 103,6%% do CDI nos primeiro quatro meses deste ano, ante 105,7% do indicador no mesmo período de 2017.

Muitas empresas têm aproveitado a queda do custo para pagar as dívidas mais caras. Além disso, há um movimento para garantir os financiamentos antes das eleições de outubro, que podem trazer mais volatilidade para o mercado. “Vemos muitas empresas indo a mercado tentando antecipar o risco eleitoral”, diz Guilherme Silveira, superintendente executivo da área de mercado de capitais de dívida do Santander.

Com a alta do custo para emitir dívida no exterior, o mercado local ficou mais atrativo, inclusive para as empresas com risco de crédito maior. Guilherme Maranhão, executivo da área de renda fixa do Itaú BBA, já nota um aumento do apetite por ativos de maior risco. “O mercado de capitais ainda é muito concentrado em empresas com bom risco de crédito, mas já começamos a ver ofertas com rating ‘A+’ e ‘AA -‘.”

Com o aumento da demanda por papéis privados e os bancos ainda com liquidez e sem a necessidade de ampliar rapidamente a captação de recursos diante de uma retomada lenta do crédito, os gestores começaram a ter que olhar para papéis com risco de crédito um pouco maior e que oferecem prêmios mais altos.

Esse é caso da TAG Investimentos, que passou a analisar investimentos em produtos estruturados, como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) com maior risco de crédito e taxas de retornos mais altas. “Buscamos operações com garantia e que não tenham prazos de vencimento tão longos”, diz Carolina Camões, analista de crédito da TAG.

Já a estratégia da gestora de patrimônio GPS é buscar operações exclusivas, que são vendidas sob demanda para poucos investidores. “Compramos, por exemplo, Certificados de Recebíveis Imobiliários [CRIs] com lastro em estoque de imóveis prontos de uma construtora”, diz Jean-Pierre Cote Gil, sócio responsável pela gestão de crédito na GPS.

A GPS também têm buscado aplicar em fundos de recebíveis de emissores não tradicionais como o de empresas de tecnologia financeira (fintechs) que oferecem crédito e chegam a pagar um retorno de 3% a 4,5% mais a variação do CDI, ou de fornecedores de grandes empresas. A gestora comprou, por exemplo, cotas de um fundo com lastro em recebíveis de fornecedores da Fiat com remuneração de 120% do CDI, cujo risco final acaba sendo o da multinacional. “Tentamos buscar mais alternativas que tenham diferencial de prêmio”, afirma Cote Gil.

A analista de crédito da TAG cita, por exemplo, que, enquanto uma Letra de Crédito Imobiliário (LCI) de um banco de porte médio com prazo de um ano chega a pagar um retorno de 94% a 95% do CDI, o CRA de uma empresa com rating ‘AAA’ no mercado secundário está pagando em torno de 98% do CDI.

“Temos visto uma migração natural dos investidores de títulos bancários para papéis de crédito corporativo”, diz Rafael Quintas, sócio e chefe da área de distribuição a XP Investimentos.

A Bradesco Asset Management (Bram) tem buscado renovar o estoque de papéis de instituições financeiras que estão vencendo, mas hoje está com uma alocação mais equilibrada entre títulos bancários e papéis de empresas. Segundo a gestora responsável pela mesa de crédito da Bram, Ana Luisa Rodela, os produtos estruturados como FIDCs continuam com taxas interessantes e ela também tem visto mais papéis de empresas que antes eram atendidas pelo BNDES como do setor elétrico.

No caso dos papéis incentivados como CRI e CRA, que oferecem isenção de Imposto de Renda para pessoa física, a demanda tem diminuindo com esses investidores buscando outras alternativas de alocação com a queda da Selic. No caso das debêntures de infraestrutura, que também oferecem o benefício fiscal, Silveira, do Santander, afirma que não houve tanto impacto na demanda porque os papéis oferecem retornos atrelados ao IPCA.

De modo geral, Marco Bismarchi, sócio e gestor da TAG, considera que o cenário para investimento em crédito privado está melhor, com a recuperação da economia e a desalavancagem financeira das companhis. “As empresas sofreram muito, mas conseguiram cortar custos e hoje têm acesso a um crédito mais barato e um volume menor de juros a pagar.”