Selic menor vai empurrar aplicador para novos riscos

Por Adriana Cotias | Para o Valor, de São Paulo

A aceleração do corte de juro pelo Banco Central (BC) pode ser um despertar para os investidores ainda apegados aos ganhos fáceis dos títulos públicos pós-fixados ou do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI, a taxa interbancária). Com a redução de 0,75 ponto percentual da Selic, para 13% ao ano ante o consenso de 0,50 ponto, mais o aplicador vai precisar incorporar novos riscos à carteira para ter os mesmos resultados. Papéis atrelados à inflação, os prefixados mais longos e multimercados são as principais indicações dos estrategistas de investimentos.

Como a direção da taxa básica da economia era de queda, os prefixados já eram recomendação preponderante. Mas quem insistia em ficar abraçado ao CDI talvez tenha chegado atrasado à festa. Para se ter uma ideia, após a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, em novembro, o Tesouro Prefixado com vencimento em 2023 chegou a apontar retorno na casa dos 12,5%. Ontem era cotado a 11,03% no Tesouro Direto. Há alguma gordura considerando-se projeções para que a Selic termine o ano em um dígito, a 9,5% ou 9,75%, mas os riscos são grandes.

“Quem chega primeiro na feira compra as frutas mais frescas”, brinca o diretor de wealth management do BNP Paribas,Mauro Rached, que vinha insistindo para que o investidor deslocasse o portfólio para aplicações em que pudesse melhor aproveitar os prêmios, tanto em renda fixa e variável quanto nos multimercados. “Como o afrouxamento monetário começou mais módico no fim do ano, a adesão não foi tão grande.”

No perfil de risco moderado, a alocação sugerida tinha apenas 45% em CDI, com a carteira distribuída em títulos atrelados à inflação e prefixados (cerca de 30%), uma fatia em ações (8%) e multimercados (22%). Para Rached, são os portfólios macro que tendem a surfar melhor nessa tendência de redução do juro, assim como ocorreu nos ciclos de 2009 e 2012.

Os fundos macro estavam na sua maioria posicionados em NTN-B e prefixados e hoje deve ser um dia de alegria para gestores e investidores, diz Marco Bismarchi, sócio da TAG Investimentos. Para os clientes da gestora de patrimônio, desde a segunda metade de 2016 a indicação já era pela migração do CDI para títulos pré e de inflação. Agora, a casa estuda até onde o ciclo pode ir para recalibrar as carteiras. Tomando-se como base os contratos mais curtos de juros na BM&F, como o DI de janeiro de 2021, a gordura já foi praticamente queimada nos títulos públicos prefixados com resgate em 2023. “Se o ciclo não for tão profundo, já está quase no preço, mas se [a Selic] for a 9,5% pode ter um pontinho para fechar [cair]”, diz.

Para quem não se aproveitou dos prêmios dos prefixados até o último trimestre de 2016, o risco agora ficou maior, diz Mauro Morelli, superintendente de investimentos do Citibank. “O cliente que se beneficiou da queda dos juros pode surfar mais um pouco, mas quem não entrou, neste momento há um risco significativo para um ano complexo como 2017, o prêmio ficou apertado.” Por ora, ele prefere as Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B) que ainda têm um retorno interessante e com proteção clara contra repiques da inflação. E considera que o aplicador pode buscar retorno em outros mercados como fundos de capital protegido, notas estruturadas ou ativos no exterior.

O BC sucumbiu às pressões do governo e por isso acelerou o passo da redução da Selic, segundo avaliação do estrategista de private banking do Banco Votorantim, Marcos De Callis. E ao dar a mensagem de que a economia brasileira vai rodar com juro real mais baixo, a recomendação é privilegiar as NTN-Bs. “Essa guinada, na minha leitura, significa que tocou o telefone vermelho, que o governo ligou para o BC e cobrou a parcela de ajuda dele para a economia”, diz.

A reação do mercado especificamente nos ativos indexados à inflação, com queda das taxas de implícitas, ficou fora de lugar na sua visão e é nesses ativos aonde estão as maiores oportunidades de ganhos. “A queda nos vencimentos acima de três, cinco anos com esse tipo de política monetária mais agressiva não se justifica. Só poderia cair com medida estrutural, se o Congresso aprovasse uma reforma da Previdência ou Trabalhista.”

A AZ Quest não esperava que o BC saltasse de um corte de 0,25 ponto para 0,75 ponto percentual e considera que o BC se surpreendeu tanto com a atividade econômica quanto com a inflação e tentou responder a críticas de que poderia estar “atrás da curva” (atrasado), diz o gestor Sergio Silva. A casa trabalha agora com uma Selic na casa dos 9% para dezembro. “Talvez a inflação para baixo e o desemprego alto leve o BC a um objetivo de juro nominal mais baixo do que anteriormente”, diz. “A questão é que se aprovar a reforma da Previdência, estaremos falando de outro país, com outro nível de juros.” A gestora segue posicionada em juros nominais com vencimento em 2019 e 2020 e reais de 2021 e 2022.

Títulos prefixados e indexados à inflação mais longos são a forma de o investidor apimentar a carteira com um pouco mais de risco, diz o sócio da Rosenberg Investimentos Marcos Mollica. Na sua avaliação, nos vencimentos mais curtos, boa parte do que se espera para a política monetária já foi incorporada aos preços. “Daqui para frente, o mercado vai discutir se os juros no Brasil vão mudar de patamar, a depender da evolução das reformas, se após as eleições na Câmara e no Senado o governo vai conseguir trabalhar a pauta de votações”, diz. “Será necessário monitorar o cenário atentamente nos próximos meses para avaliar se vale aumentar mais a posição.” Os títulos longos são, porém, os de maior volatilidade e mais vulneráveis ao cenário externo e à evolução da política de Donald Trump nos EUA.

Para o economista-chefe e estrategista da Azimuth Brasil Wealth Management, Paulo Eduardo Nogueira Gomes, a aceleração do corte da Selic requer que o investidor já assuma um pouco mais de risco. O aplicador com perfil moderado deveria colocar o pé na bolsa, uma parcela mais considerável em multimercados, mas não abandonar de vez o conforto das modalidades atreladas ao CDI. “É hora de, gradualmente, ficar um pouco mais propenso ao risco. O investidor tem que se posicionar porque o mercado se antecipa aos movimentos, senão já vai pegar os preços dos ativos muito caros.”

Após os prefixados se provarem preferência dos grandes investidores e receberem recomendação massiva quando o BC começou o atual ciclo, Gomes considera que não há mais muita atratividade nesses ativos e vê alguma oportunidade em crédito privado de bancos de menor porte. E considera que a maior parte da carteira ainda deve estar atrelada ao CDI. Já os ativos indexados à inflação ainda merecem atenção do investidor. Embora possa ser uma posição volátil, que eventualmente vai perder do CDI, no longo prazo oferecem retorno considerável. O papel com vencimento em 2035, por exemplo, apontava ontem 5,58%.