Imprevisibilidade Cambial

Dólar a R$ 3,00 ou a R$ 4,00? Em meio a inúmeras incertezas internacionais e domésticas, os empresários tentam calibrar seus planos de negócios para 2017

Por: Luís Artur Nogueira – 30/09/2016

Tentar prever qual será a cotação do dólar no futuro pode ser tão difícil quanto acertar o resultado de uma partida de futebol. Nos dois casos, é possível analisar os componentes envolvidos e traçar o cenário mais provável, mas cravar o placar exato (ou a cotação, no caso da moeda americana) tende a ser um mero lance de sorte. No caso do mercado de câmbio brasileiro, a imprevisibilidade é tanta que há divergências inclusive sobre a tendência de alta ou de baixa. “Não há como fazer um planejamento se num dia o dólar está em R$ 3,00 e no outro custa R$ 4,00”, diz José Luiz Gandini, presidente do grupo Kia Motors do Brasil e da Abeifa, a associação que representa os importadores de automóveis.

“Essa mudança repentina no câmbio mata o meu negócio.” Em 2015, o real perdeu 33% do seu valor ante o dólar. Agora, em 2016, já ganhou 22%, vendido no patamar de R$ 3,20. Neste biênio, o real tem sido a moeda emergente com maior oscilação no mundo, o que aumenta as dúvidas do empresariado na hora de elaborar o plano de negócios para o ano que vem. Num cenário recheado de incertezas, as projeções díspares dos economistas mais confundem do que esclarecem. No boletim Focus do Banco Central, que colhe estimativas de cem instituições financeiras, há quem aposte no dólar a R$ 3,00 ou a R$ 4,10 para o fim de 2017.

A mediana está em R$ 3,45. O primeiro passo para tentar decifrar essa incógnita é analisar o que acontece lá fora. “O cenário externo mostra a direção dos ativos enquanto o cenário interno dá a magnitude dessa direção”, diz André Leite, da TAG Investimentos. “O Brasil é aquela pulga no rabo do cachorro que balança junto com o rabo.” O cachorro, no caso do dólar, são os Estados Unidos. Além de ser a maior economia do mundo – considerada o porto seguro dos investidores –, o país é o emissor da moeda. Até o fim do ano, dois acontecimentos nada triviais vão determinar o valor do dólar: a provável elevação dos juros pelo Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) e a eleição presidencial.

No primeiro, um aperto monetário mais intenso poderá atrair recursos do mundo inteiro, desvalorizando moedas emergentes, como o real. Por outro lado, se o Fed continuar adiando a alta dos juros, sob o argumento de que a recuperação econômica ainda é frágil, o movimento cambial inverso será inexorável. Desde o começo do ano, a presidente do Fed, Janet Yellen, e seus colegas vêm alimentando uma expectativa de aperto monetário que, até agora, não se confirmou. A última elevação ocorreu em dezembro de 2015, quando os juros passaram de uma banda de 0% a 0,25% para um intervalo entre 0,25% e 0,50% ao ano.

No caso da eleição americana, há vários componentes que alimentam um quadro de incerteza, a começar pelo próprio resultado. As pesquisas indicam um empate técnico entre a democrata Hillary Clinton e o republicano Donald Trump, que se enfrentaram pela primeira vez num debate na segunda-feira 26 (leia mais aqui). No mercado financeiro, a aposta majoritária (em alguns casos, se parece mais com torcida) é pró-Hillary. Sendo assim, a vitória de Trump representaria uma surpresa comparada ao Brexit, plebiscito que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia.

No episódio, a libra se desvalorizou no mundo inteiro, fenômeno que pode se repetir com o dólar. “Na minha avaliação, o mercado ainda não precificou nem Hillary nem Trump. O que está precificando é o Fed”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos. “O mercado está viciado em juros.” No cenário internacional, há outros fatores que podem influir na cotação da moeda americana, como oscilações mais bruscas nos preços das commodities. O maior risco, entretanto, é o de uma crise bancária na Europa, cujo epicentro pode ser o gigante alemão Deutsche Bank (leia reportagem aqui).

RISCO BRASIL

Os assuntos domésticos, incluindo o ajuste fiscal, também impactam o câmbio. O primeiro teste será a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto dos gastos, que limita a expansão das despesas públicas à variação da inflação do ano anterior. “Se o governo obtiver sucesso nas votações, a confiança subirá e mais recursos entrarão no Brasil, valorizando o real”, diz Evandro Buccini, economista da Rio Bravo Investimentos. “E, ao contrário do que o senso comum indica, o dólar barato não é uma má notícia para o Brasil, pois viabiliza a compra de equipamentos modernos fabricados no exterior.”

Nesse quesito, a polêmica é enorme. Qual é o câmbio ideal? De um lado, os importadores querem o dólar mais desvalorizado possível, o que reduz o custo dos produtos estrangeiros. De outro, os exportadores querem o cenário oposto, aumentando a competitividade das mercadorias nacionais. Há 10 anos, o setor de máquinas produzia dois terços de todos os equipamentos utilizados no País. Agora, são apenas 40%. “Um câmbio mais desvalorizado frearia a entrada dos importados e estimularia as exportações”, diz José Velloso, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq).

“Precisamos de um dólar acima de R$ 3,50.” Em recente reunião com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), os empresários cobraram a queda dos juros e uma atenção especial ao câmbio. “Para incentivar as exportações, que começam a se recuperar e são extremamente importantes para a retomada da economia, o Banco Central (BC) deve cuidar para que o real não se valorize demais em relação ao dólar”, afirmou Paulo Skaf, presidente da Fiesp. As decisões do BC não são triviais e geram impactos em toda a macroeconomia.

Quanto mais valorizado estiver o câmbio, melhor para o controle da inflação, mas pior para as contas externas, pois estimula as viagens dos brasileiros ao exterior. No comando do Banco Central desde junho, o economista Ilan Goldfajn vem lidando com naturalidade às pressões por juros menores. Em discurso na cerimônia de premiação AS MELHORES DA DINHEIRO, em São Paulo, Goldfajn destacou que o cenário internacional é benigno às economias emergentes. “O ritmo de crescimento da economia global não é forte o suficiente para a retirada dos estímulos monetários na maioria das principais economias, nem é fraco o bastante para desencadear aumentos de aversão ao risco dos investidores internacionais”, afirmou o presidente do BC a uma plateia formada por empresários e executivos de diversos setores.

Quanto à possibilidade de queda da Selic (taxa básica de juros), atualmente em 14,25% ao ano, ele salientou que tudo dependerá de uma “maior confiança no alcance das metas para a inflação”. Goldfajn prometeu “respeito ao câmbio flutuante”, sem descartar intervenções, “com parcimônia”, em momentos de volatilidade. Na terça-feira 27, o BC divulgou o relatório trimestral de inflação reforçando expectativa dos analistas do mercado financeiro de queda dos juros neste ano. Com o Fed subindo os juros e o BC do Brasil cortando a Selic ao longo de 2017, simultaneamente, a tendência natural seria de encarecimento do dólar ante o real.

Mas, no curto prazo, a moeda americana pode ficar mais barata e cair abaixo dos R$ 3,00, principalmente se Trump vencer. “Seria uma trajetória em forma de ‘U’ do dólar”, diz Leite, da TAG Investimentos. Se o cenário de ‘U’ se concretizar, os importadores poderão travar uma cotação atraente. Já os exportadores precisarão esperar a segunda perna do ‘U’ para recuperar a competitividade. “O empresário tem de ter em mente que a volatilidade estará presente em 2017, o que demandará operações de hedge”, afirma Leite. Ou então, terá de encarar as fortes emoções cambiais à vista.